Balada
(Em memória de uma poeta suicida)*
Mário Faustino
Não conseguiu firmar o nobre pacto
Entre o cosmo sangrento e a alma pura
Porém, não se dobrou perante o fato
Da vitória do caos sobre a vontade
Augusta de ordenar a criatura
Ao menos: luz ao sul da tempestade.
Gladiador defunto mas intacto
(Tanta violência, mas tanta ternura)
Jogou-se contra um mar de sofrimentos
Não para pôr-lhes fim, Hamlet, e sim
Para afirmar-se além de seus tormentos
De monstros cegos contra um só delfim,
Frágil porém vidente, morto ao som
De vagas de verdade e de loucura.
Bateu-se delicado e fino, com
Tanta violência, mas tanta ternura!
Cruel foi teu triunfo, torpe mar.
Celebrara-te tanto, te adorava
Do fundo atroz à superfície, altar
De seus deuses solares – tanto amava
Teu dorso cavalgado de tortura!
Com que fervor enfim te penetrou
No mergulho fatal com que mostrou
Tanta violência, mas tanta ternura!
Envoi
Senhor, que perdão tem o meu amigo
Por tão clara aventura, mas tão dura?
Não está comigo nem conTigo:
Tanta violência, mas tanta ternura.
• • •
Nota de Caio Túlio Costa:
*A propósito da dedicatória a “uma poeta”, este poema é retirado do livro Poesia Completa, Poesia Traduzida organizado por Benedito Nunes (Max Limonad, 1985) e de O Homem e sua Hora e outros poemas, organizado por Maria Eugenia Boaventura (Companhia das Letras, 2002). Maria Eugenia me disse que o poema “deve ser em homenagem a Hart Crane”. Tanto na edição organizada por Maria Eugênia (p. 158) quanto na edição da poesia completa estabelecida por Benedito Nunes (p. 115) consta que o poema é em homenagem a “uma poeta suicida”. No índice da edição de Nunes (p. 6) consta, no entanto, que o poema é para “um poeta suicida”.