Um passo à frente

ENTREVISTA À REVISTA IMPRENSA EM NOVEMBRO DE 2006

Por Pedro Venceslau

Caio Túlio Costa - Foto de Adolfo Vargas

Caio Túlio Costa - Foto de Adolfo Vargas

O jornalista Caio Túlio Cos­ta acredita piamente que o tempo dos jornais e re­vistas de papel acabou. O futuro está na Internet. Para comprovar sua tese, ele apresenta alguns números que guarda na memó­ria: ”A ONU fez um grande estudo em 40 países e constatou que somente em quatro deles a circulação de jornais cresceu des­de os anos 60”. Esta não é uma profecia qual­quer. Não é exagero dizer que Caio Túlio é um visionário. Uma passada de olhos pelo currículo deste mineiro de 52 anos é o suficiente para perce­ber que ele sempre esteve um passo à frente da sua geração. A Internet ainda era um espectro que rondava o mundo quando ele teve acesso ao embrião desta revolucionária ferramenta. Foi na Fran­ça, entre 1987 e 1989, como correspon­dente da Folha, que ele foi apresentado ao Minitel, uma rede de computadores que ainda não usava o protocolo da In­ternet. “Fui dos primeiros correspon­dentes da Folha a utilizar a transmissão de dados por computadores”, conta. De volta ao Brasil, foi escalado para coman­dar a retirada das máquinas de escrever da redação. Chegava a vez dos computa­dores. Caio Túlio conta que apenas dois jornalistas do jornal não sobreviveram ao processo de informatização da re­dação da Folha de S. Paulo: “Um colega tinha problema de audição e não conse­guia ficar perto do terminal porque vibrava muito. O outro tinha problemas nos olhos e não conseguia enxergar di­reito”. Caio Túlio foi, ainda, o fundador do portal mais acessado da internet bra­sileira, o UOL, considerado a Rede Glo­bo da WEB. Ficou lá até 2002, quando foi demitido do portal para dar espaço a uma ampla reforma. “Não seria eu que iria desfazer o que ti­nha feito”. Depois de um período de “qua­rentena”, foi convidado a assumir o coman­do do iG, que briga com o portal Terra pelo segundo lugar na audi­ência da Internet.

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Em 1989, a imprensa brasileira co­meçava a enxergar o país com olhos de­mocráticos quando a Folha de S. Paulo convidou Caio Túlio, então com 35 anos de idade, para assumir um cargo inédi­to na história do jornal: ombudsman. Mais uma vez, ele estava um passo à frente do seu tempo. Mesmo com tantos anos de casa, 21 para ser exato, a expe­riência como ombudsman foi uma das mais marcantes de Caio em sua trajetó­ria nos jornais de papel. Deste período nasceu “O relógio de Pascal” – um clássico das faculdades de Jornalismo e que foi relançado este ano (Geração Editorial, 2006). Nesta entrevista à IMPRENSA, Caio Túlio Costa falou de tudo um pouco. Começou com a resistência do merca­do anunciante em relação à Internet, passou pela política e terminou na éti­ca – matéria que leciona na Faculdade Cásper Líbero.

IMPRENSA – Por que você saiu do UOL? Como foi parar no iG?

CAIO TÚLIO COSTA – Foi em 2002. A rigor, eu fui demitido. Chegou-se à conclusão que o UOL precisava de várias re­formas e não seria eu que iria desfazer o que havia feito. Fiz um acordo bastante confortável. Quando sai do UOL tive um período de 30 meses de quarentena no qual eu não podia trabalhar em nenhuma empresa de mídia e de Internet. Depois desse prazo, fui convidado para dar uma consultoria ao IG, que estava revendo seu planejamento estratégico. Acabei sendo convidado para presidir a ope­ração. Em junho de 2006 assumi a presidência.

IMPRENSA – O UOL é a Rede Globo da Internet?

CAIO TÚLlO – Houve um momento que foi, mas hoje é um exagero dizer isso. As verbas de publicidade estão bem divididas entre os sete grandes concorrentes. No merca­do de conteúdo nacional são quatro que concorrem – IG, Terra, Globo e UOL. No mercado de portais acrescenta­-se a concorrência do Yahoo, Google e MSN.

IMPRENSA – Qual é a maior audiência?

CAIO TÚLlO – O UOL é o de maior audiência [entre os provedores-portais]. O iG está quase chegando perto do Terra, que é o segundo [o iG passou o Terra em dezembro de 2008].

IMPRENSA – Como é que você conseguiu convencer uma geração de dinossauros do jornalismo – Mino Carta, Tão Gomes Pinto, Franklin Martins, Paulo Henrique Amorim – a aderir à “blogosfera” do iG? Chega a ser folclórico, por exemplo, o fato do Mino não saber nem abril um e-mail…

CAIO TÚLlO COSTA – Eles sabem que grande parte do seu leitorado está na Internet. O Mino digita seus posts na Olivetti e sua assistente transcreve para o computador.

IMPRENSA – Qual a sua opinião sobre a revista Veja, que no mês passado atacou frontalmente o iG?

CAIO TÚLIO – A Veja sempre foi uma revista conservadora, feita com cabeça de classe média e voltada para a classe média. Quem critica a Veja hoje, critica a mesma Veja de sempre. As pessoas é que estão ficando um pouco mais inteligentes, estão melhorando, e vendo a Veja com um pouco mais de senso crítico. O maior problema da revista Veja é que ela não dá direito de resposta a suas vítimas. Isso é grave… Isso não é jornalismo.

IMPRENSA – O Brasil está bem servido de revistas semanais?

CAIO TÚLlO – Poucos países têm quatro revistas semanais. Do ponto de vista técnico, o Brasil está bem servido.

IMPRENSA – Dizem que o jornal de papel está com os dias contados. A revista The Economist deu até uma data para o funeral: 2044. O motivo desse pessimismo é o avanço da Internet, que estaria “roubando” os leitores das bancas. Você acha que o jornal está condenado a dividir a prateleira com os discos de vinil?

CAIO TÚLlO – Essa projeção do fim dos jornais foi feita por um professor americano chamado Philip Meyer. Ele se baseou nos dados de leitura dos jovens, que têm cada vez menos o hábito de ler jornais. Os jovens estão consumindo informação de outras formas, como a televisão e a Internet. E estão gastando seu tempo em outras mídias. Isso não sig­nifica que os jornais vão necessariamente morrer, mas que eles chegaram ao seu auge e agora estão em declínio. Não é o jornalismo, mas o jornal enquanto produto que está em declínio. Se você olhar historicamente a circulação dos jornais, verá que ela está caindo desde a década de 60 de forma sistemática. No Brasil, a circulação vem caindo a uma média de 0,6% ao ano. A ONU fez um estudo grande em 40 países e constatou que somente em quatro deles a circulação de jornais cresceu desde os anos 60.

IMPRENSA – Qual é o futuro do jornal, na sua opinião?

CAIO TÚLIO – Tudo indica que essa mídia tende a não ter mais a relevância que sempre teve. Se vai acabar em 2044, se as rotativas vão continuar existindo, isso não importa. A tecnologia trouxe novas formas de distribuir informa­ção, na qual subsistem o jornalista e a necessidade de um bom jornalismo. A tecnologia trouxe, também, elemen­tos graves, que fazem o jornalismo ser produzido de uma forma muito rápida, inexata, o que é uma preocupação.

IMPRENSA – O curioso é que, pelo menos no Brasil, o volume de publicidade não cai na mesma proporção que a circulação…

CAIO TÚLIO – Essa questão tem a ver com o tempo que o mercado de publicidade leva para absorver novas mídias. No Brasil, a Internet é a segunda mídia de massa – atinge quase 35 milhões de pessoas e só perde para a televisão – mas não tem mais que 2% do bolo total da publicidade. Isso é mais que todos os jornais e revistas juntos. Nos Es­tados Unidos, a Internet já tem 6% do bolo publicitário. Na Europa tem um pouco mais. Isso mostra que o merca­do publicitário ainda não reconhece o valor desta mídia.

IMPRENSA – Por que a Internet não atrai o anunciante?

CAIO TÚLIO – Nós, profissionais desta mídia, não consegui­mos convencer o anunciante da importância da Internet. Por outro lado, as empresas que provaram desta mídia não a deixam de forma alguma. Estão a-ga-rra-das à Internet. Os bancos, por exemplo, anunciam em todos os portais. Grande parte do varejo brasileiro também: Sub­marino, Ponto Frio, Americanas… Eles estão em todos os portais porque conseguiram transformar a Internet em um enorme ponto de venda. É uma questão de tempo e de competência nossa mostrar para o mercado a maravilha que é anunciar em Internet.

IMPRENSA – TV por Internet no Brasil é um bom negócio?

CAIO TÚLlO – Tem futuro, mas ainda não é comercialmente viável por várias razões – o tamanho da banda e a forma como o monitor transmite, por exemplo. Mas esses pro­blemas serão resolvidos paulatinamente pela tecnologia. Teremos TV na Internet com qualidade de TV digital em pouco tempo.

IMPRENSA – Como você avalia o texto de Internet hoje?

CAIO TÚLIO – Essa é uma preocupação grande das pesso­as de mídia: o pouco tempo que você tem para produzir, investigar, trabalhar uma informação e a necessidade da­quilo estar em tempo real no site noticioso. Isso tem leva­do, de maneira geral, a uma notícia mal escrita, mal apu­rada. Existem várias entidades no mundo preocupadas com isso. É preciso produzir um jornalismo de qualidade também na Internet. Nós achamos que isso é possível.

IMPRENSA – Você acredita que, para sobreviver, os jornais voltarão a optar pelo texto de autor e deixarão um pouco de lado o rigor dos manuais de redação e estilo?

CAIO TÚLlO – Essa pergunta não é… consistente. A Folha, por exemplo, tem manual de redação, mas conta com vá­rias pessoas com o texto de autor. Eu sou um dos autores do manual de redação da Folha. Os manuais sempre existiram. O primeiro manual do jornalismo brasileiro foi feito pelo Gilberto Freire. Não foi a Folha que inventou. Os manuais não vieram para tolher a criatividade e o estilo do jornalis­ta, eles surgiram para criar um estilo para cada redação.

IMPRENSA – Qual balanço você faz da experiência como primeiro ombudsman da Folha?

CAIO TÚLlO – Por ser uma grande novidade, os jornalistas, naquele momento, tinham um certo receio. Os jornalis­tas, em geral, não gostam de crítica. O balanço que faço desta experiência é extremamente animador, apesar de existirem poucos ombudsman de jornal no mundo inteiro – cerca de 70, na minha época eram por volta de 50. Essa instituição se firmou e, hoje, é muito respeitada.

IMPRENSA – Por que existem tão poucos jornais com ombudsman no Brasil e no mundo?

CAIO TÚLIO – Um jornal precisa ter muita segurança da sua linha editorial para ter ombudsman. Não é fácil expor suas mazelas de uma forma tão aberta. Além disso, vários jornais resistem por uma razão mercadológica, que é não imitar um concorrente.

IMPRENSA – E por falar em ombudsman, você achou que a cobertura dessa eleição lembrou a de 1989, quando houve uma divisão ideológica clara por parte dos principais veículos?

CAIO TÚLlO – Não há problema em um jornal escolher e apoiar um candidato. Isso se torna um problema quando distorce fatos em favor de um candidato. Não há a me­nor dúvida que a mídia brasileira, de modo geral, teve pre­ferência pelo candidato do PSDB nesta eleição. Foi uma decisão ideológica e isso se refletiu na cobertura, com mais ou menos intensidade. De uma forma geral, nada me surpreendeu. Em 1989, tivemos uma manipulação maior por parte da TV Globo, principalmente na edição do Jor­nal Nacional do debate entre Collor e Lula. Não vi nada semelhante nesta eleição.

IMPRENSA – Qual foi o seu primeiro contato com a Internet?

CAIO TÚLlO – Foi quando eu era correspondente da Folha na França, entre 1987 e 1989. Lá eu tive contato com o Minitel, uma rede entre computadores que ainda não usava o proto­colo da Internet. Eu fui um dos primeiros correspondentes da Folha a utilizar transmissão de dados por computador, usando uma rede chamada “infonet’; que transmitia da­dos por um número específico de telefone. Logo que a USP começou a dar acesso à Internet eu também pude usá-Ia. Assim que a Embratel começou a comercializar, fomos um dos primeiros a usar esse serviço, na Folha On Line.

IMPRENSA – Você começou no jornalismo na era da máquina de escrever?

CAIO TÚLIO – Sim. Em 1984, quando era secretário de re­dação da Folha, fui o responsável pela informatização da redação do jornal.

IMPRENSA – Teve muita gente na redação do jornal que não se adaptou aos computadores?

CAIO TÚLlO – Tivemos apenas dois casos. Um colega nos­so tinha problema de audição e não conseguia ficar perto do terminal porque vibrava muito no seu ouvido. Ele se aposentou. Outro colega tinha problemas nos olhos e não conseguia enxergar a tela direito. Acabou saindo do jornal. Fora isso, não tivemos nenhum problema maior.

IMPRENSA – Quando você era estudante da USP, participou ativamente do movimento estudantil. Qual era sua corren­te política?

CAIO TÚLlO – Fui militante da LIBELU (corrente trotskista Liberdade e Luta, embrião do PSTU). Fiz jornais como o Dois Pontos e o Avesso, que eram ligados ao grupo.

IMPRENSA – Chegou a se aproximar do PT nos anos 80, quando o partido nasceu?

CAIO TÚLlO – Quando o PT foi formado eu já estava trabalhando em jornalismo, no Leia Livros. Em 1981 fui para a Folha. Não sou filiado a nenhum partido político e acho bom que o jornalista não seja.

IMPRENSA – Como o professor Caio Túlio, que leciona Ética na Cásper Líbero, avalia o ensino de jornalismo no Brasil? Acha muito técnico e pouco ético e semiótico?

CAIO TÚLlO – A gente precisava de outra entrevista para de­senvolver este assunto. Não acho que o ensino de jornalis­mo no Brasil seja bom. Seria ótimo se ele pudesse ser mais semiótico, se pudesse ensinar mais ética. As faculdades ensinam pouco ética e semiótica… Essa é uma das razões pelas quais os jornalistas que são colocados no mercado de trabalho não sabem ler. Precisamos fazer uma revisão profunda do ensino de jornalismo, que está muito técnico e pouco humanista. O ideal para o futuro jornalista seria ter uma formação universitária para, depois, fazer um curso de especialização em jornalismo.

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