Revolução nas comunicações tira poder da mídia e dá poder ao cidadão

Palestra dada no encontro Economia Criativa #3 – Um caminho de desenvolvimento para o país através da moda e do design, promovido anualmente pelo IN-MOD (Instituto Nacional de Moda e Design), braço institucional do SPFW (São Paulo Fashion Week). São Paulo. Julho de 2008.

Por Caio Túlio Costa

Vivemos um momento em que a palavra revolução, tão desgastada, precisa ser resgatada. O mundo, de fato, vive uma enorme revolução, uma mudança brutal e, muitas vezes, estamos tão inseridos nela que não conseguimos enxergá-la. Isso tem a ver, exatamente, com a questão discutida aqui, de como se posicionar, como agir e interagir dentro deste momento novo e muito diferente.

Nós, da mídia, não o estamos entendendo; ao contrário, estamos tentando  “matá-lo.” A própria indústria das telecomunicações, que é protagonista desta nova conjuntura, também a compreende muito mal.

Vou dar alguns exemplos sérios. O primeiro se dá nas Filipinas, em 2001. O mundo já estava com muitos aparelhos celulares _nós só tínhamos 5 milhões de usuários, mas nas Filipinas eram 70 milhões. E um problema com o governo do país levou as pessoas a quererem depor o presidente.

Elas então começaram a se comunicar via e-mail, instant messenger e torpedos e transmitir a seguinte mensagem: “GO 2 EDSA WEAR BLACK”. Ou seja: “Vá para Edsa (diminutivo do nome de uma avenida da capital Manila). Use preto.” Conseguiram reunir mais de 3 milhões de pessoas em manifestações que duraram quatro dias. Ao fim e ao cabo, o então presidente filipino Joseph Estrada estava apeado do poder.

Esse é o primeiro movimento que mostra a capacidade de articulação conseguida por meio de um sistema completamente à margem da mídia tradicional e que “empodera” o cidadão.

Outro exemplo: durante os ataques do PCC [Primeiro Comando da Capital] a ônibus e delegacias em São Paulo, todo mundo começou a receber por e-mail e celular a seguinte informação: Há um toque de recolher. Vá para casa. O toque de recolher é até as oito horas. Você tem até as oito para ir para casa.

A mídia tradicional, em especial a televisão, foi a primeira a falar em toque de recolher quando ele já acontecia. A autoridade foi ao rádio e à TV negar a existência de toque de recolher. Às oito da noite, a imagem que se tinha era a da cidade completamente vazia.

Isso mostra a revolução que estamos vivendo e demonstra a necessidade de se repensar as diferenças que essa nova mídia traz na forma de comunicação. Ela muda de maneira absoluta o processo tradicional, realizado de forma unidirecional: um produz e despeja o conteúdo sobre o outro. A nova comunicação permite que eu, cidadão, me comunique não apenas com uma pessoa, mas com milhares e milhares de outras pessoas e que outras tantas possam se comunicar comigo.

Otavio Ianni, em um dos seus grandes ensaios, conceitua o príncipe eletrônico, a partir do princípio do príncipe de Maquiavel, que era o condottiere, o homem que estava à frente das massas conduzindo o processo histórico sob todos os aspectos, político, econômico e moral.

O príncipe eletrônico é a onipresença da mídia, tanto a mídia das corporações quanto a dos blogs, da propaganda, do merchandising… O São Paulo Fashion Week, por exemplo, tem o seu site. Não depende mais só da notícia que o Estado dá, da cobertura da Folha, do iG ou da TV Globo. Ele se soma a esse movimento todo e é esse o movimento que conduz o processo histórico, às vezes com problemas terríveis.

Tudo isso que falamos tem a ver com a revolução nas comunicações, tanto em termos de telecomunicação, de indústria de aparelhos de comunicação como de mídia, e que vai fazer com que os negócios da área convirjam. E esse processo só existe porque depende da gente, da nossa capacidade de interagir. Aí está o aspecto criativo, o novo. E é aí que a cauda longa se alimenta, na possibilidade de levar informações, produtos, serviços, sejam digitais, sejam físicos, para o maior número de pessoas em todo o mundo.

O maior exemplo disso é o Google. Ele é só uma caixa de busca. Não tem um banner, é a página mais leve da internet em todo o mundo. E o que ele faz? Aí entram a criatividade e a interatividade: ele usa a nossa energia, o nosso trabalho para se auto-alimentar e nos dar exatamente aquilo ou algo próximo daquilo que nós queremos.
O Google vive da cauda longa, dos links patrocinados que ele vende para grandes, pequenas e médias empresas e para indivíduos. Com isso, ele vai trazer este ano para o mercado de publicidade – porque ele se vê como uma empresa de publicidade – US$ 20 bilhões de faturamento. O Google é responsável hoje por 40% de todo o faturamento publicitário on-line dos Estados Unidos. Tornou-se a empresa mais valiosa em mídia – vale mais de US$ 160 bilhões. A Time Warner, que tem empresa de filme, canal, revistas e o diabo a quatro, vale 70 bilhões, um pouquinho mais da metade do que vale o Google. E a Time Warner fatura US$ 50 bilhões. Fatura mais e vale menos. Olha a loucura!

E é uma empresa que veio inovar, destruiu a tradicional indústria de classificados de jornal. Todos se lembram dos jornais antigamente nos domingos, que pesavam dois quilos só por conta dos classificados. Hoje pesam meio quilo. E isso não é um fenômeno brasileiro, que atinge Estadão, Folha, Globo. É um fenômeno mundial.

A inclusão das classes D e E à internet é outro fenômeno muito forte que está acontecendo e que agora vai trazer, por exemplo, as Casas Bahia para a rede. O computador ficou muito barato no Brasil e as condições de financiamento são muito boas.

A internet já é hoje a segunda mídia de massa do país. Se o São Paulo Fashion Week, por exemplo, faz uma parceria e coloca um banner na capa do iG, outro na capa do UOL e um terceiro na capa do Terra, ele vai atingir, em menos de um mês, mais de 50 milhões de pessoas. Só não supera a audiência da televisão, que é a grande audiência de massa, a primeira, mas a internet já é a segunda. E o maior segmento da rede é a classe C. Daqui a pouco, serão as classes D e E por conta dessa inclusão.

Esse consumidor vai estar dentro do que chamamos de convergência, em que tudo converge em uma espécie de set top box, em um chip. Eu já vi palestras inteiras só sobre isso: “A convergência está no chip”.

Mas ela traz um problema brutal, que deve ser encarado como um grande desafio para saber como nos colocarmos dentro dele. A convergência vai provocar necessariamente uma relação de dependência mútua entre a indústria de telecomunicação e a indústria da mídia, as quais já estão se estranhando.

Voltando ao chip, não é nele, no aparelho, que se encontra a convergência. Ela está no indivíduo. É na gente que ela acontece. Aqui, nessa sala, isso já se deu. São todos indivíduos convergidos. E somos nós, hoje, com esse novo poder nas mãos, que é o poder da interação, a capacidade de se diferenciar na rede, seja de forma segmentada, a partir de uma comunidade ou usando um meio de alcance maior, que temos a possibilidade de criar dentro dessa nova realidade, a qual pressupõe a interação social.

Os elementos já estão aí. As políticas públicas ainda estão longe disso. A Justiça idem. A indústria está à frente e nos entrega produtos com um potencial do qual não usamos mais do que 10%. E nós, enquanto seres convergentes, estamos entendendo muito pouco o que está acontecendo.

Os exemplos que eu dei, e vocês vão encontrar outros, são exemplos dramáticos dessa mudança e indicam o fim do papel da mídia como protagonista principal.

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