Não dê comida aos políticos

Vem aí, terça-feira, o segundo turno das eleições. Em São Paulo, a escolha está entre Mario Covas, do partido de Fernando Henrique, e Francisco Rossi, do partido de Leonel Brizola. Covas e Rossi foram prefeitos e estiveram também no Congresso. O primeiro administrou São Paulo e o segundo Osasco, uma das maiores cidades do país.

De sua passagem pelo Congresso, Covas deixou na minha memória a convicção de que, em vez de ajudar na modernização dos portos brasileiros, fez de tudo para emperrá-la. A lembrança relacionada a Rossi é a nota 10 dada por uma entidade intersindical por sua participação na Constituinte.

Ambos também foram capa desta revista, perfilados por Cosette Alves. Dessas reportagens guardo imagem esquisita de como Covas lida com o tempo, despreocupado com ele. Rossi deixou aquela marca do místico que faz chover e considera a “Bíblia” seu projeto de governo.

Acho complicada e demagógica a exploração da religião em política partidária – uma vez que não é possível separá-la em definitivo da política.

Mas a eleição aí está e quem votar terá que escolher. Portanto, momento ideal para refletir e rebater em tecla já familiar aos leitores deste “Posfácio”.

O título escolhido não é mensagem de desesperança. Cético, serve de alerta aos dispostos ao voto. Vem inspirado em palavra de ordem da juventude basca, pichada nas paredes de Pamplona, a vetusta cidade espanhola que abriga a Universidade de Navarra: “Não dê comida aos militares”. Lá na Espanha, alguns jovens se recusam a prestar serviço militar e a pichação é uma das formas pelas quais expressam o descontentamento.

“Não dê comida aos políticos” é um chamamento à cidadania. Ainda mais agora, quando os políticos se revezam nos seus postos e os que ainda continuam teimam em dobrar seus salários no Congresso – sempre às custas do contribuinte.

Se o cidadão é responsável pelos homens públicos que elege, os benefícios, ou melhor, o nada que se tem em troca, tem muito a ver com essas escolhas. Os governantes funcionam como uma espécie de espelho-síntese da sociedade. É triste, mas é assim. Depois de feito o estrago com o baixo nível dos eleitos, não adianta choramingar falta de opções.

Nada garante no Brasil construído até hoje que a comida que se deu aos políticos supriu-os, na sua grande maioria, de saúde para tocar um país das nossas dimensões. Deve-se dar comida aos políticos, sim, mas àqueles que saberão transformar este pão em benefício público. Cada miserável encontrado na rua é um flash da comida que se deu para engordar políticos e que não chegou aos milhões que comem mal ou não têm de comer.

Ao falar dos governantes em geral, o escritor cubano Reinaldo Arenas (um suicida lúcido cujas memórias são lançadas agora no Brasil) se referia à “classe reacionária que está sempre no poder”. Ele escreveu isso já aidético e exilado nos EUA, a democracia que o acolheu e nem por isso deixou de ser criticada.

O político em campanha é uma coisa e eleito é outra; o brasileiro o sabe. O poder, aliado às dificuldades que estão na raiz das gorduras do Estado brasileiro (e os Estados propriamente ditos não estão fora dessa estupidez, é só ver a situação calamitosa de vários bancos estaduais), tem transformado governantes em reacionários e os legisladores em legisladores de causas próprias.

Portanto, mais uma vez, porque a redundância faz-se necessária: pense bem antes de dar de comer aos políticos.

Ilustração: Acrílico sobre madeira, sem título, de Leonilson, 1988.

Publicado na Revista da Folha em 13/11/94, pág. 30.

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