Porque o público já não responde ao estímulo da imprensa
Deus está morto, Marx morreu, Freud morreu, e eu mesmo não me sinto muito bem. Esta frase, de Alain Finkielkraut, expressa o sentimento de um novo filósofo francês órfão de pais espirituais na dureza dos anos setenta. A frase resistiu e faz sucesso na internet, onde ganhou complementos do tipo, “Lennon morreu” e “o Papa morreu”. Muito bem. A opinião pública – aquela que forma a opinião do público – também morreu. Não por falta de pais espirituais nem de porta-vozes. Ela foi vítima de algo disperso, prosaico, polifônico.
Você duvida? Vamos aos fatos, emoldurados pela propaganda. Livro recém-editado pelo Meio & Mensagem, intitulado Campanhas Inesquecíveis, inclui menção a um comercial da Folha de S. Paulo de 1988, realizado pelo então redator da W/GGK, Nizan Guanaes, com direção de arte do Gabriel Zellmeister e criação do Washington Olivetto. Poucas vezes nossa propaganda voou bonito assim, com tanta qualidade e força de informação. Também, com esse trio é fácil – diria você.
No comercial, havia uma voz em off: “Este homem pegou uma nação destruída, recuperou sua economia e devolveu o orgulho a seu povo. Em seus quatro primeiros anos de governo, o número de desempregados caiu de seis milhões para novecentas mil pessoas. Este homem fez o produto interno bruto crescer 102 por cento e a renda per capta dobrar. Aumentou os lucros das empresas de 175 milhões para cinco bilhões de marcos e reduziu a hiperinflação a, no máximo, 25% ao ano. Este homem adorava música e pintura e, quando jovem, imaginava seguir a carreira artística”. Enquanto isso, uma imagem composta de pigmentos brancos e pretos ia se formando na tela. E o retrato de Hitler então aparecia, nítido. O locutor concluía: “É possível contar um monte de mentiras dizendo só a verdade, por isso é preciso tomar muito cuidado com a informação e o jornal que você recebe”.
Na sua clareza única, o anúncio escancarava ser possível contar muita mentira mostrando apenas dados objetivos e omitindo acontecimentos horrorosos que a humanidade vivenciou. A opinião pública na Alemanha seguiu Hitler durante muitos anos – por medo ou por convicção, mas seguiu. Sem querer comparar, a opinião pública, no Brasil, tanto elegeu quanto apeou Fernando Collor do poder em tempo recorde. Essa opinião pública se constrói (ou se construía) pelo que noticiam os jornais, as revistas, as rádios, as televisões, a internet. Os jornais, as revistas e a internet formam (ou formavam) a opinião pública de elite porque atingem percentual reduzido da população, não mais do que 18%, se existirem de fato 35 milhões de pessoas com acesso à internet num país de 190 milhões de habitantes. Jornais e revistas, somados os maiores veículos, não superam a internet. A televisão atinge mais gente, chega à quase totalidade dos domicílios. Mas quantas pessoas em cada casa assistem aos noticiários?
Por que a opinião pública morreu? Vou dar quatro boas razões: 1) nos EUA, Richard Nixon se reelegeu com a maior quantidade de votos da história do país mesmo e apesar do caso Watergate denunciado pela imprensa; 2) idem para George W. Bush, reeleito apesar das ilegalidades na invasão do Iraque fartamente cobertas pela mídia; 3) ibidem no Brasil, onde o presidente Lula se reelegeu malgrado toda a grande imprensa ter escancarado os problemas de corrupção no seu partido e no núcleo do seu governo; 4) os formadores de opinião viajam de avião. Não conseguem fazer com que os administradores da crise aeroportuária resolvam o problema mesmo e apesar das marteladas sistemáticas nas revistas semanais, nos jornais diárias, várias vezes ao dia no rádio e na TV e ininterruptas na internet. E a crise se arrasta por mais de seis meses. Ou alguém duvida de que o assunto Infraero/Aeroportos não está resolvido?
A opinião pública – outra vez: que forma a opinião do público – morreu porque há excesso de informação, e a nova mídia é um dos maiores responsáveis por isso. Os pigmentos que formam a imagem, e permitem a sua visualização por inteiro a partir de um olhar distanciado, não suportam mais esse distanciamento. Nós só vemos os fragmentos, só os pontos. Não formam a imagem. As instituições só enxergam os seus próprios fragmentos degradados. Deus está morto, Marx morreu, Freud morreu, a opinião pública morreu, e eu mesmo também não me sinto muito bem.
*Caio Túlio Costa é jornalista, presidente do Internet Group, que reúne o iG, o iBest e o BrTurbo). E-mail: caiotulio@ig.com.br. Publicado no semanário Meio & Mensagem em 23/04/2007