Confusão mostra que Justiça ainda precisa entender a nova mídia
Parece maçante bater no tema da censura ao You Tube, mas não é. Casos assim fazem andar a roda da história. Para lembrar a quem não estava no mundo: no começo deste ano, a justiça brasileira determinou às empresas de telecomunicações baseadas no Brasil o bloqueio total do site americano You Tube, e dois dias depois voltou atrás. O site exibia, postado por internautas, o vídeo que mostra a modelo Daniella Cicarelli fazendo sexo em público com seu namorado, Renato Malzoni Filho, numa praia da Espanha.
Apesar da violência anticonstitucional e do autoritarismo da decisão, que aproxima o Brasil de países como China ou Cuba, e apesar da incompreensão de como funciona a rede, a decisão deu muito mais exposição para o vídeo do que tivera quando divulgado pela primeira vez, em setembro de 2006.
O caso mostra a necessidade de um repensar da justiça. A jurisprudência relativa ao direito tradicional tem sido triturada não só pela questão tecnológica quanto pelo fato de que qualquer internauta tem acesso aos mecanismos de postagem de informação na rede, seja essa informação confiável ou não – o que também é problema.
O caso é emblemático porque a dupla, cuja parte feminina é celebridade, teve cenas de sexo explícito capturadas em local público e não haveria esse rastro universal de distribuição se Cicarelli não fosse quem é. Nem haveria o repique de exposição se não tivesse havido a censura.
Em setembro do ano passado, os advogados do casal processaram judicialmente alguns portais e deixaram vários outros de lado. Não se sabe por que. A justiça mandou os sites citados retirarem os links para os vídeos que estavam na rede, You Tube inclusive. Os sites autuados cumpriram a ordem. O You Tube também retirou o link para o vídeo, mas ele se recompunha de imediato porque alguém em algum lugar do planeta resolvia publicá-lo de novo. Assim funciona a nova mídia. Por mais filtros e porteiras que se pretenda fazer, não se consegue bloquear um conteúdo já espalhado e sempre passível de postagem de um outro lugar qualquer, bem longe do poder da justiça brasileira, ou das justiças nacionais – uma vez que inexiste a justiça global, ainda.
O vídeo continuou na rede mundial. A dupla já havia decidido pedir indenização a alguns poucos portais – não se sabe também qual o critério para acionar um ou outro uma vez que praticamente todos os grandes sites falaram do vídeo. Neste caso, nem a jurisprudência tradicional foi seguida. Era como querer culpar a agência dos correios por transportar carta criminosa, coisa que nem a justiça tradicional costuma fazer, porque sem sentido.
Cicarelli e Malzoni encontraram juízes e desembargadores que lhes deram ouvidos, conseguiram a proeza de censurar no Brasil o You Tube, para vexame internacional. Entretanto, a própria justiça voltou atrás, o desembargador alegou que sua ordem não foi entendida – apesar de determinação cristalina de censura dada por um juiz a partir de decisão do próprio desembargador. Enfim, havia dúvidas.
Agora, imagine uma celebridade fazendo amor entre quadro paredes e que um paparazzi grave estas cenas íntimas, particulares, e as divulgue num site qualquer. Por mais razão que a vítima tenha em relação à privacidade (já que há controvérsia sobre isso no caso da dupla, porque ela estava em praia pública), a justiça não terá como coibir a explosão universal das cenas se elas se referirem a algum casal de grande popularidade.
As empresas de telecomunicações e o próprio You Tube cumpriram a ordem da justiça brasileira. Não bastou. O vídeo continua disponível na rede e permanece armazenado em centenas de milhares de computadores. Alguma coisa mudou radicalmente e requer não só entendimento do novo quanto reeducação jurídica. Por que a dupla não foi monoliticamente atrás de todo mundo que postou o vídeo, atrás de todos os sites do Brasil (e do mundo) que o divulgaram, além de tentar também punir o paparazzi de plantão? Porque era mais fácil processar somente alguns sites, algumas “agências” do correio…Por que a justiça acatou tão facilmente o pedido de censura para depois se enrolar toda? Porque ainda precisa entender melhor a nova mídia.
*Caio Túlio Costa é jornalista e diretor presidente do Internet Group, que reúne o iG, o iBest e o BrTurbo. E-mail: caiotulio@ig.com.br Texto originalmente publicado no semanário Meio & Mensagem, edição de 29/1/2007, pág. 8