Um novo futuro a ser ditado pelo poder das ruas

PUBLICADO NO DIÁRIO DO PARÁ EM 07/07/2013, 08h29

Entrevista de Caio Túlio Costa concedida a Rita Soares

Da mesma forma que a política, o jornalismo também foi sacudido pelos protestos que surpreenderam o País nos últimos dias. Onde estavam os formadores de opinião, analistas e repórteres que não conseguiram prever a erupção social que tomaria as ruas de Norte a Sul do Brasil? Para o jornalista Caio Túlio Costa, eles estavam fora das redes sociais ou conectados apenas com o próprio grupo – sem buscar analisar a realidade a partir das plataformas sociais, a grande novidade desse movimento atual. Caio Túlio é um expert em mídia e redes sociais. Primeiro ombudsman do jornal Folha de São Paulo, um dos criadores do portal Uol, professor de ética e da área de comunicação frente às novas tecnologias, e um dos comandantes da campanha de Marina Silva à Presidência em 2010, ele esteve em Belém na semana passada para uma conversa sobre “Redes Sociais e as Mobilizações Sociais”. O evento fez parte do Movimento HotSpot, que premia inovações nas artes e comunicação. Curador do projeto, o jornalista falou com exclusividade ao DIÁRIO sobre mídia, política e uso das redes.

P: Assim como os partidos políticos e as autoridades de modo geral, a imprensa esteve na berlinda durante as manifestações das últimas semanas. Na sua opinião, por que isso aconteceu?

R: A imprensa foi alvo topicamente. Ela acabou sendo uma grande aliada dos manifestantes e até maximizou, no bom sentido, a abrangência das mobilizações. Mas acho que a imprensa chegou tarde. O movimento conseguiu mobilizar as pessoas, no início poucas, e conseguiu levá-las para a praça pública, para as ruas. Depois, usando as redes, esse mesmo movimento conseguiu fazer com que essas pessoas voltassem às ruas e fossem aumentando. Aconteceu em uma semana fatídica em que, principalmente em São Paulo e no Rio de Janeiro, a polícia foi muito violenta. Isso fez com que a imprensa respondesse. Isso ajudou mais uma vez a fazer com que o movimento se espraiasse da maneira como se espraiou.

P: Os movimentos não têm líderes definidos e isso às vezes é meio difícil de explicar. O senhor acha que nós, jornalistas, estamos preparados para cobrir esses fatos?

R: Assim como os políticos tradicionais, os empresários, os jornalistas ficaram surpresos com o que estava acontecendo. Não teriam ficado surpresos se tivessem um olho constante na Internet, nas redes sociais e na própria rua. Eu acho que tão surpresos quanto os jornalistas, estão também os participantes do movimento. Nem eles tinham a dimensão da importância do que isso poderia acabar tendo e teve. Agora, vamos saber a real dimensão disso mais para frente. Algumas consequências já estão acontecendo. Por exemplo, nos últimos dias, vários políticos foram pegos gastando dinheiro público para fazer viagens particulares.

P: Deputados e senadores trabalhando em pleno julho, por exemplo…

R: Realmente isso já é outra coisa inédita [risos]. E vimos também as prefeituras, ou recuando ou não aumentando as tarifas, além de outros movimentos, como o dos caminhoneiros. A população estava completamente abúlica e agora está se manifestando pontualmente de diversas formas e, às vezes, com extremo vigor.

P: O senhor falou que os jornalistas foram surpreendidos. Em sua opinião, por que não se percebeu que esse movimento estava chegando à superfície?

R: Eu acho difícil fazer essa análise neste momento porque estamos no meio do furacão. Mas uma das razões possíveis é o fato de os jornalistas estarem completamente fora das redes sociais. Ou estarem dentro da rede só com seus pares e não tentando entender o movimento nas redes. Mas geralmente é assim que acontece. Muitos movimentos que fazem sucesso na rede têm sua origem na imprensa tradicional. Mas a maioria, principalmente, os de reivindicações, só depois que acontecem na rede conseguem algum espaço na mídia tradicional.

P: Ainda separam muito o mundo virtual do mundo real, não é?

R: Sim. E a coisa parece que só tem importância quando aparece na mídia tradicional. Mas isso é para várias gerações, que a gente pode considerar como gerações antigas, que ainda não estão acostumadas com essa nova forma de apreender o conhecimento. É uma forma multimídia, completamente diferente da forma livresca na qual a gente aprendia as coisas antigamente.

P: O senhor trabalhou na campanha da Marina Silva em 2010. E nessa campanha já houve uso bastante intensivo das redes sociais…

R: A Marina foi muito inteligente. Ela tinha pouco tempo de televisão e não estava disposta a fazer alianças que aumentassem aquele tempo. Então tomou a seguinte decisão: vamos investir tudo que a gente puder nas redes. E ela contratou profissionais, entre os quais me incluo, que abraçaram aquilo com toda a vontade de fazer.

P: As mídias tradicionais acabaram servindo para chamar o público para as redes?

R: As mídias tradicionais foram bastante usadas na campanha também. A gente fez uma comunicação em 360º. Utilizava todos os recursos possíveis e passamos a conversar diretamente com as pessoas. Foi um uso bastante intensivo e, ao mesmo tempo, gostoso de ser feito porque ali tinha uma causa. E quando você tem uma causa, não precisa de mais nada. Se a tua causa fala alto, principalmente para a juventude que está nas redes, isso é maravilhoso. E é isso que ela [Marina] tinha e tem.

P: O senhor acha que em 2014 o uso das redes sociais vai se intensificar a partir do que a gente está assistindo hoje?

R: Acho difícil prever qualquer coisa para 2014. Agora, sem dúvida, vamos ter um uso muito maior da internet, das redes, inclusive para captação de recursos em 2014. Tem muita gente já pensando nisso e um pouco dos movimentos que a gente viu agora são uma espécie de ensaio possível para uma campanha em rede ano que vem.

P: Muita gente diz que a Marina é a candidata que mais vai capitalizar, em termos de votos, estes movimentos. O senhor acha que isso pode acontecer?

R: Eu acho que pelo fato dela ter uma causa, do ambiente, da sustentabilidade como um todo, e o fato de ser uma causa que fala muito próximo dos jovens, irá beneficiá-la muito.

P: Por outro lado ela é evangélica. O senhor acha que isso pode afastar o eleitor mais de esquerda? Questões como o aborto, a descriminalização da maconha…

R: São questões que ela tem enfrentado de cabeça erguida, com muita altivez. Até agora não tem afastado [eleitores]. Ela conseguiu 20 milhões de votos e, se você olhar a distribuição dos votos, teve muito voto evangélico, de católico, de ateu, de petista arrependido, de conservadores também. No meu entender, ela consegue manter um certo pluralismo, um certo ecumenismo.

P: Voltando à questão das redes, a gente observa que, ao mesmo tempo que tem um movimento incentivando as pessoas a irem para as ruas, tem uma espécie de antimovimento. Esses grupos são mais de direita ou de esquerda, como é que a gente poderia situar?

R: Uma das facetas desse atual movimento é que está todo mundo atônito em relação inclusive a essas expressões como direita e esquerda. Você tem ali dentro verdadeiros arruaceiros, baderneiros a rigor, aproveitando o movimento. Acho que você tem ali pessoas conservadoras, pessoas de extrema esquerda… Há quanto tempo a gente não ouvia falar de anarquistas e agora isso voltou…

P: E ainda tem os apartidários…

R: Sim, você tem aqueles que não querem saber de partidos. Eu acho que tudo isso faz parte do caldo de cultura contemporâneo que tem a ver com um grande escritor polonês que se chama Zygmunt Bauman [sociólogo, autor de várias obras, entre elas “O mal-estar da pós-modernidade” e “Modernidade Líquida”]. Ele fala exatamente da condição de liquefação, não somente das instituições, mas das relações entre as pessoas. Acho que é isso que a gente está vivendo. Isso está deixando as pessoas ainda meio atônitas e sem a capacidade de analisar.

P: O governo reagiu bem às manifestações em sua opinião?

R: Demorou muito para reagir. Reagiu na medida da sua capacidade de desentendimento do que estava acontecendo, não de entendimento. A primeira fala da Dilma foi um fiasco. A segunda fala acabou sendo um fiasco, não junto à população, porque pode até ter tido alguns efeitos especiais, mas teve uma reação muito forte junto à oposição, aos partidos. Dentro do desentendimento em que está, o governo está reagindo razoavelmente bem.

P: Reforma política é um caminho para atender às demandas expostas nas ruas?

R: Eu acho que o País precisa não só de reforma política. Precisa de reforma tributária. O país precisa de reforma nas suas instituições. A Justiça não pode continuar lenta da forma como é. Acho que tem muita coisa que ainda vai aflorar e que vai fazer parte dos movimentos nas ruas.

P: Há uma crise de representação?

R: A esfera pública está se desconstruindo. É uma crise de instituições. E não é só no Brasil, é no mundo inteiro. No mundo inteiro vemos esses movimentos diferenciados que estão acontecendo, como a revolução na comunicação. Estamos vivendo um momento muito especial na história da humanidade. Acho que agora é que está acabando a era agrária. Estamos indo para uma era que não tem nome ainda.

P: Apesar das limitações de análise, o senhor acha que tem algo destes movimentos que ficará para o futuro?

R: As pessoas não precisam mais das mídias tradicionais para fazer qualquer movimentação, para fazer qualquer pedido de mudança ou reivindicação. Elas têm esse poder de mídia. Hoje, seja uma única pessoa, sejam mil pessoas ou cem mil pessoas, elas têm o poder da mobilização tanto presencial quanto virtual. Isso é poder de mídia. Qualquer pessoa vai a um local de acesso público à internet, grava um vídeo para o Youtube e aquele vídeo pode ter repercussão mundial instantânea e provocar alguma coisa. É isso que mudou e é isso que fica. Aonde isso vai nos levar? Eu não sei.

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