Publicado no Correio Braziliense, 22/03/2009 à pág. 7.
Alessandra Pereira
São Paulo – Existe um abismo, cada vez mais profundo e aparentemente intransponível, entre os pilares ditos fundamentais da profissão e seu exercício diário. Fala-se em ética, mas pratica-se a não ética e a antiética. Defende-se a verdade, quando, no mudo real, sobrevive-se graças a um código muito próprio: uma moral provisória, que permite pequenas mentiras, tolera meias-verdades e estabelece seus limites de acordo com circunstâncias. De maneira geral, não há equilíbrio possível entre a ética e a profissão que já foi considerada coisa de românticos e idealistas: o jornalismo.
Todos esses conceitos são discutidos no livro Ética, Jornalismo e Nova Mídia: uma Moral Provisória [lançado no dia 30 de março de 2009] pelo jornalista, executivo e professor Caio Túlio Costa, doutor em ciências da comunicação pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP). Um dos principais nomes de sua geração e referência obrigatória em jornalismo e multimídia na internet, Caio Túlio edita seu quarto livro pela Zahar. A publicação nasce da tese de doutorado defendida pelo jornalista em junho do ano passado e é também fruto do curso de ética jornalística ministrado por ele desde 2003 na Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero, sob inspiração do também jornalista Eugenio Bucci.
Dedo na ferida
Para leitores em geral, e, especialmente, jornalistas que tiverem coragem de enxergar a si mesmos, Caio Túlio apresenta em 287 páginas uma instigante e provocativa análise que coloca o dedo na ferida sem dourar a pílula. Sem hipocrisia. E sem pretender ser “dono da verdade” ou tornar-se “bíblia da ética” para a categoria. “O livro não vai ensinar a ser mais ou menos ético. Não é um manual de conduta. Não é um formador de caráter. Discute a imprensa e o jornalismo do ponto de vista da moralidade. E mostra que existe um abismo entre o normativo, o ideal, e a prática, o funcional do jornalismo. Um abismo”, atesta Caio, cujo livro também leva à reflexão sobre a perda da identidade na profissão e o reposicionamento obrigatório diante da nova ordem imposta pelas mídias neste terceiro milênio.
Caio recorre à literatura, à filosofia, à dramaturgia e até à pintura para discorrer sobre a moral provisória no jornalismo. Vai da tragédia grega à pós-modernidade. De Sófocles a Maquiavel. De Descartes a Shakespeare. De Jean-Paul Sartre, o “criador do código moral temporário”, ao jornalista e escritor austríaco Karl Kraus, descrito por Caio como um “insuperável criador de jogos de palavras” e autor de frases: “Para proteger a verdade, é permitido ser hipócrita”. Caio Túlio não chega a uma conclusão sobre o tema. Ao contrário de outras obras do gênero, seu livro não quer dar receita de ética para o jornalismo moderno. Não quer mostrar caminhos melhores, nem mesmo dizer que eles existem. Essas reflexões são o grande desafio proposto aos leitores.