My Channel [entrevista]

PUBLICADO EM O ESTADO DE S.PAULO EM 30/01/2016 ÀS 16H01 E NA CAPA DO ALIÁS NA EDIÇÃO IMPRESSA DO ESTADÃO EM 31/01/2016

 

GILBERTO AMENDOLA

Que os nossos ídolos não são os mesmos, é certo, líquido – e virtual. Quem viraliza na internet são os youtubers, em sua maioria jovens que, com uma simples câmera de celular, vendem ideias e produtos a milhões. “São desbravadores digitais”, diz o jornalista Caio Túlio Costa, para quem os youtubers criam soluções em vez de problemas. Misturam informação com propaganda? “O público sabe discernir.” Qual o futuro deles? “Esquecimento para a maioria, correção para quem errou e sucesso para os talentosos.”

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Se você ainda não sabe quem é a Kéfera Buchmann, trate de perguntar para o seu filho (neto ou sobrinho). Se nenhum deles estiver por perto, uma pesquisa rápida no Google vai trazer quase 500 mil resultados. Entre no primeiro deles, um link para um canal do YouTube chamado 5incominutos. Pronto, eis a Kéfera, nossa mais bem-sucedida youtuber.

Aos 23 anos, a garota tem mais de 7,5 milhões de inscritos em seu canal, as visualizações somadas de seus vídeos ultrapassam 100 milhões e os livros baseados no conteúdo que ela produz para internet estão no topo da lista dos mais vendidos (200 mil cópias). Estima-se que o faturamento dela já esteja na casa dos R$ 100 mil mensais. Seus números ganham ainda mais relevância se comparados aos números do “velho mundo”. Um ponto de audiência na cidade de São Paulo equivale a aproximadamente 60 mil aparelhos de TV ligados – a audiência que um vídeo de Kéfera costuma atingir, sem muito esforço, minutos depois de ser postado na rede.

A excepcionalidade de Kéfera está justamente na sua falta de excepcionalidade. Ela é uma menina comum, uma menina em que outras garotas podem se reconhecer e com quem podem dialogar e criar laços de confiança. Em seus vídeos, fala de experiências triviais, aborda problemas de autoestima, dietas mirabolantes, relações familiares e questões reconhecíveis a qualquer ser vivente com 20 e poucos anos.

Claro, Kéfera não está sozinha. Os youtubers se multiplicam pela própria facilidade de existir. Tudo de que precisam é uma boa conexão de internet, um celular, um quarto como cenário e, talvez, um toque de carisma. No mais, assunto não falta. Vale tudo. Moda, maquiagem, games, sexo, culinária ou, simplesmente, a boa conversa fiada.

Entre os equivalentes masculinos de Kéfera, é possível destacar o Christian Figueiredo, do canal Eu Fico Loko. São 4, 5 milhões de seguidores inscritos, livros publicados e um faturamento que deve dar inveja em executivo de banco. Nos vídeos, Chris conversa diretamente com o internauta, contando coisas como seu primeiro beijo, a primeira transa, notas na escola, brigas com a mãe, frustrações juvenis, etc. e tal.

Sobre esse fenômeno, o Aliás conversou com o jornalista e doutor em comunicação Caio Túlio Costa. Entusiasta do modelo, Costa acredita que a mídia tradicional tem o que aprender com esses “desbravadores de uma nova forma de comunicação”.

Os youtubers estão aí para lembrar que Andy Warhol tinha razão, estamos todos condenados a ter nossos 15 minutos de fama? “Sim, e veja que Andy Warhol não fazia a menor ideia do que estava por vir em termos de comunicação digital”, diz Costa. “Mas, de fato, a enormidade difusa da rede permite a qualquer um o poder de mídia; agora, se vai virar algo substantivo, com audiência significativa e respeitabilidade, é outra história.”

ESTADÃO: Quais fatores criaram “terreno” para o nascimento dos youtubers? Além da questão tecnológica, que outros elementos estão presentes?

CAIO TÚLIO: A tecnologia apenas facilitou – e vou usar a palavra –, democratizou o acesso de qualquer um aos meios de comunicação digitais. Antes, na era de Gutenberg, era necessário ter algum poder econômico para ser uma empresa de comunicação ou de mídia, como se fala agora. Então, aquelas produções amadoras ou talentosas, restritas ao ambiente escolar, aos amigos ou à família, encontraram espaço quase gratuito para serem distribuídas. São mudanças tecnológicas, econômicas e sociais. E uma coisa leva à outra – a nova maneira de adquirir conhecimento, digital, impulsiona a produção própria de comunicação imagética e textual. O vídeo ficou barato e fácil de ser feito. Bem tagueado, bem indexado, qualquer assunto pode ser encontrado e “curtido”. Essa é uma das mais fantásticas transformações que esse mundo digital produziu.

O que os youtubers podem ensinar para a mídia tradicional? Ou estariam eles apenas repetindo os formatos consagrados da televisão?

O estilo, ou a falta de estilo dos operadores de vídeo na rede, pode alimentar em muito a mídia tradicional. Muito. A televisão terá que incorporar ainda mais as mudanças trazidas pelos youtubers se quiser sobreviver. A mídia tradicional precisa entender que seu modelo de comunicação tradicional só funciona bem no suporte tradicional. No suporte digital a vida é outra, e os youtubers de hoje são os desbravadores dessa nova forma de comunicação.

Mas, em termos de conteúdo, a maioria dos youtubers parece repetir fórmulas antigas. Em breve, esses youtubers não serão todos cooptados pela velha mídia?

Sim, a maioria copia as fórmulas tradicionais, com certeza. A velha mídia ainda tem fôlego para cooptar alguns, mas acho que, no limite, vai acontecer o contrário. As novas fórmulas digitais serão copiadas pela velha mídia.

Com os youtubers estamos cortando os intermediários da comunicação? Eles podem indicar o fim de um “filtro” representado por editores, produtores, diretores, redatores? Como fica a questão da credibilidade? Ou estamos vivendo uma fase de “credibilidade por simpatia ou empatia”?

Se pensarmos com a cabeça analógica, a resposta para a sua pergunta é sim: eles estão cortando os intermediários. Se pensarmos com a cabeça digital, a resposta é não. Não porque todo profissional de comunicação de hoje (porque o futuro já chegou) precisa dominar as técnicas de planejamento, captação, edição e distribuição.

Quero insistir na questão da credibilidade. Como se mede a credibilidade de um youtuber?

A credibilidade, na internet, se mede pela qualidade dos comentários, pelo peso dos perfis que compartilham determinado post, concordam ou discordam. A credibilidade se constrói e exige tempo. Não é porque alguém tem um canal no YouTube que esse alguém não possa construir sua credibilidade.

É possível falar em esgotamento das celebridades e ídolos produzidos pela TV (ou outras mídias)? A audiência estaria mais interessada em “gente como a gente”? Ou seja, não estamos mais procurando excepcionalidades, mas atrás de pessoas para “compartilhar” experiências?

Acho que o interesse pelas celebridades está muito vivo, só que ele divide as atenções para os flagrantes, para o humor, para as imagens e conteúdos inteligentes ou pueris. O compartilhamento vem em função do tanto que cada um investe para ser acompanhado em rede.

Que fatia do mercado publicitário pode migrar para essa plataforma?

Grande parte dos anunciantes já está migrando para esse novo mercado. Ele permite levar o anúncio diretamente para o público-alvo. Nos EUA, estima-se que o YouTube mais o Google Play formem 15% da receita total do Google. Estima-se que o Google, sozinho, tenha faturado em torno de US$ 72 bilhões em 2015. Então, o YouTube e o Google Play devem ter faturado algo em torno de US$ 10,8 bilhões no ano passado, bem mais do que o faturamento esperado pela NBC Broadcast (a maior rede de TV dos EUA), que deverá ficar em torno de US$ 6 bilhões.

Não parece permissivo demais o apelo ao consumo difundido por parte dos youtubers?

E o que faz a propaganda? Faz exatamente isso. Não é porque ela se mostra como propaganda que não há incentivo ao consumo desde que ela existe. Um youtuber tem o direito de propagandear se esse é o seu objetivo, seu foco. No fim das contas, se alguém se traveste de jornalista ou de artista para propagandear, o público vai perceber. A internet está misturando conteúdos jornalísticos ou artísticos com publicidade. É uma nova realidade que merece discussão, sem dúvida, mas que faz com que paradigmas sejam revisitados. Mas o público, sem dúvida, sempre saberá discernir uma coisa da outra.

Sendo a maioria dos youtubers de sucesso jovens, qual deve ser o controle dos pais em relação ao conteúdo postado pelos filhos?

Acho que o desejo de controlar o que as crianças veem é um desejo universal e quem sou eu para contestar isso! Independentemente, todo mundo está sujeito ao erro. Só não erra quem não faz. O bom da rede é que os erros podem ser apontados e discutidos quase que de imediato. Mais importante: o erro pode ser prontamente corrigido. Num jornal impresso você vai levar no mínimo um dia para consertar um erro – quando conserta… Os youtubers estão criando soluções em vez de problemas.

Você não acha que uma gafe na rede tem uma durabilidade muito maior? O fato de um vídeo viralizar não pode ser um “cruz eterna” para o próprio youtuber?

Pode ser, desde que o vídeo com o erro, viralizado, não seja imediatamente corrigido – o que pode acontecer de propósito, feito de má-fé para propagar alguma distorção ou mentira. Nesse caso, você tem razão. E as consequências podem ser terríveis.

Qual a sua opinião sobre os youtubers mirins? Na verdade, a opinião sobre os pais que produzem vídeos (e ganham dinheiro) com crianças menores de 6 anos? Tem youtuber de 3, 4 anos…

Se há participação ativa dos pais eu vejo aí uma certa exploração do talento do filho. Mas sempre foi assim, mesmo antes da internet nós tínhamos atores e atrizes mirins. Essa é uma questão para os politicamente corretos.

Não estariam os fãs (seguidores) de youtubers recriando a figura do “melhor amigo” ou ainda do “amigo imaginário”? Nesse sentido, trata-se de uma audiência mais solitária ou individualista? Quais as implicações disso?

Nem sei se concordo ou discordo dessa ideia de “audiência individualista ou solitária”. Mas posso te dizer que nenhum garoto, nenhuma garota, nenhuma pessoa, criança jovem ou adulta, estará sozinha numa casa se ela tiver um computador conectado à mão. Também não estava sozinho quando tinha um livro à mão. O que difere é que agora a comunicação é de mão dupla, tripla, plural. O personagem ou o amigo imaginário, que é o outro lado, pode responder e dialogar, instantaneamente.

Interessante a comparação com o livro. Mas não seria a tecnologia muito mais agressiva em ternos de roubar a atenção ou promover o isolamento dos usuários? Não é mais fácil largar um livro na cabeceira da cama do que desligar o PC?

Se o livro for muito bom, não é não. Mas qual o problema em ter uma tecnologia mais agressiva para ganhar a nossa atenção?

Entre os livros mais vendidos estão aqueles escritos por youtubers. Você acredita que essa seja uma tendência? O sucesso na rede ser transportado para outras mídias?

Esse tipo de publicação é a novidade de agora. São tendências que aparecem, passam ou se firmam dependendo da qualidade da produção e do interesse. Assim como tem gente interessada em literatura de autoajuda, sempre haverá gente interessada em entender como fazer sucesso na rede.

O formato dos youtubers pode ser reproduzido em uma área como a educação, por exemplo?

Pode sim. O problema é que as escolas estão ainda mais atrasadas no mundo digital do que a área de comunicação – que ainda não saiu da era Gutenberg. Há uma nova forma de conhecimento em desenvolvimento no mundo. Nossas escolas estão longe disso e ainda usam o computador apenas como suporte para leitura, para os estudantes lerem os textos em Word ou PDFs. Isso não impede que as crianças ou qualquer um que queira um aprendizado, nas mais diversas áreas, possa já o ter na palma da sua mão em qualquer hora e qualquer lugar. As escolas e os professores tradicionais terão de correr atrás disso se quiserem manter o interesse do aluno.

Os reality shows estão na origem dos youtubers? Podemos chamá-los de filhos do reality?

Não sei. O Porta dos Fundos, por exemplo, não se enquadra nessa origem – apesar de já estar totalmente profissionalizado. O Felipe Neto idem, e a Kéfera ibidem. Assim como muitos. Os youtubers, a “geração C” (onde C se aplica à Criação, à Comunidade, ao Compartilhamento, à geração de Conteúdo), todos eles são vistos, no geral, pelo seu Conteúdo, diferentemente dos reality shows que são vistos pelas persona ali exploradas. O mais instigador, no entanto, é entender o quanto nos vídeos na internet se trata de um tentativa de marketing (profissional ou amador) e o quanto é manifestação espontânea que se viraliza na maior parte dos casos.

Qual o futuro da maioria desses youtubers de sucesso? O esquecimento ou a glória?

Não acredito que esta molecada pense em longo prazo. Me parece que eles não estão preocupados com isso. Mas acredito que será o esquecimento para a maioria e o sucesso para os talentosos, competentes e focados.

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