Até onde é possível ir pela informação?

Publicada no site do Knight Center of Jornalism in the Americas em 20/07/2100 às 15:53
Por Natalia Mazotte

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Em meio ao escândalo de escutas ilegais e subornos envolvendo o grupo de mídia de Rupert Murdoch, News Corporation, a discussão sobre ética ganha fôlego entre profissionais da imprensa. Há limites no jornalismo em sua busca por informações?

Segundo Caio Túlio Costa, doutor em ciências da comunicação pela USP e professor de ética jornalística na Faculdade Cásper Líbero, o jornalismo apresenta uma “moral provisória”, moldada para caber em cada momento e em cada necessidade da indústria de comunicação em sua produção de notícias. Grampos e subornos são os exemplos extremos dessa moral.

Costa trabalhou durante 21 anos no Grupo Folha, foi fundador e diretor geral do Universo Online (UOL) e o primeiro ombudsman da imprensa brasileira. Em entrevista ao Centro Knight para o jornalismo nas Américas, ele comenta o caso News Corp. e diz não ver grandes mudanças na forma de fazer jornalismo com as mídias digitais.

O que é essa “moral provisória” do jornalismo que você aborda em seu último livro?

A ideia desse conceito é mostrar ao consumidor de informação jornalística que dependendo da situação, dependendo do fato, há formas diferenciadas de abordagem, análise, divulgação e apuração. Essas variações refletem, do ponto de vista ético, processos mais corretos ou menos corretos, em função dos interesses da publicação. O jornalista pode, sob a justificativa do interesse público, por exemplo, se disfarçar e contar uma mentira para obter uma informação. Ele pode não achar correto mentir no dia a dia, mas acha naquele momento, pra obter determinado dado. É isso que eu chamo de moral provisória.

Então tudo é justificável em prol do interesse público?

Não, de modo algum. Mas eu não me coloco como um ditador ou julgador do limite entre o que é ou não justificável, acho que esse não é o meu papel. Esse conceito não pretende dizer como o jornalismo deve ser feito, e sim mostrar as suas práticas.

Qual a sua opinião a respeito dos escândalos envolvendo a News Corp.?

Esse é um exemplo flagrante do uso dessa moral provisória em um nível ainda mais dramático, pois, pelo que a gente vê no noticiário, todos os limites foram ultrapassados. Nós não estamos falando apenas de pessoas públicas, estamos falando de cidadãos que tiveram seus telefones grampeados, estamos falando do trabalho jornalístico atrapalhando o trabalho da investigação policial e levando uma angústia brutal a famílias de vítimas de atentados como o de 11 de setembro.

Você teme tentativas de maior controle legal e judicial sobre a atividade da imprensa diante desses acontecimentos?

Sim, graças à enorme irresponsabilidade do clã dos Murdoch. O que consola é que sem as liberdades de expressão e de imprensa, o jornal britânico Guardian não teria conseguido reerguer essa história e, assim, trazê-la à realidade. Em duas semanas, as ações da News Corp. baixaram, um jornal foi fechado, uma investigação parlamentar foi aberta, prisões foram feitas, um jornalista morreu, as responsabilidades estão sob investigação policial e o mundo acompanha online o caso, livremente. Devemos trabalhar para que a liberdade de imprensa perdure.

É possível estabelecer limites éticos claros sem cercear a atividade jornalística?

Sim, sem dúvida nenhuma. Um dos jornalismos mais acurados que existe é o praticado pela BBC, por exemplo. Ali não se usa câmera escondida e não se dá vazão a grampos criminosos.

O que muda nessa moral provisória com a mídia digital?

Quando eu falo de moral provisória, estou pensando naquele profissional que está tecnicamente capacitado a praticar o jornalismo. Inclusive ele tem uma defesa para os desvios éticos em função do que ele entende que seja uma moralidade pública do jornalismo. Quando você entra nas mídias digitais, a moralidade do técnico se mistura com a moral praticada pelo cidadão. Então há uma certa “vulgarização” da moral provisória. Para o bom jornalismo, tudo que se aplicava antes continua, não há grandes mudanças.

Vários veículos têm lançado cartilhas com normas para o uso das redes sociais por jornalistas e alguns chegam até a proibir a opinião nesses espaços. O que você acha dessa prática?

Esse é um fenômeno novo de tentativa de controlar os funcionários do ponto de vista da sua expressão. Nós temos que zelar para que as pessoas possam expressar suas opiniões. No entanto, o jornalista, como qualquer empregado, tem que seguir códigos de conduta que deixem claros os limites empresariais. Não dá pra ser ingênuo a ponto de achar que o jornalista não tem que se adaptar aos limites da empresa. Agora, esses limites também precisam estar pautados por normas éticas, não podem querer cercear a palavra.

A ética jornalística mudou a partir dos vazamentos feitos pelo Wikileaks?

Vazamentos sempre alimentaram o jornalismo, a internet apenas ampliou isso, como podemos ver com o Wikileaks. O que mudou é que agora nós temos concorrentes na nova mídia digital. Não somos mais os donos da informação e os únicos a manipular os vazamentos. Os desafios são concorrenciais, pois a internet tirou das empresas de comunicação o poder absoluto de mídia. A questão principal não é ética, mas concorrencial. Nós, jornalistas, não estamos vivendo com nada muito diferente do que já estávamos acostumados.

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