Caio Túlio Costa
Quero registrar considerações a respeito da decisão do Supremo Tribunal Federal (em 17/06/2009) de derrubar a exigência de diploma de jornalista para o exercício da profissão.
1. O estudo universitário, a formação acadêmica, é fundamental para qualquer um exercer a profissão de jornalista.
2. Para ser bom jornalista ninguém precisa de diploma específico fornecido pela escola de jornalismo. Por conta da maneira precária como se estruturou a maioria crescente e galopante dos cursos de jornalismo no Brasil, eles não conseguem dar conta das quatro habilidades imprescindíveis para o ofício, além da vocação:
a. sólida formação humanística,
b. sólida formação em filosofia moral,
c. distanciamento crítico e
d. domínio da técnica.
3. A formação nas escolas de jornalismo, em geral, é tão insuficiente que muitas empresas de comunicação criaram cursos de treinamento para trazer os recém-formados às necessidades da profissão. Em São Paulo, por exemplo, Abril, Estadão e Folha mantêm programas de treinamento.
4. É importante dizer que existem boas escolas. Eu me formei numa delas, ECA-USP (mas fui cursar filosofia porque senti falta de uma formação mais específica). Dei aula em outra muito boa, a PUC-SP. Dou aula em outra escola também excelente, a Cásper Líbero. Há exceções. Condeno aquelas escolas que formam jornalistas a rodo, todos os que chegam ao mercado incapacitados não só de escrever, mas de ler.
5. A não obrigatoriedade do diploma de jornalismo para o exercício da profissão pode ser benéfica. As escolas terão que rever seus cursos para formar melhor os profissionais, fazê-los disputados pelo mercado de comunicação. (Este, a propósito, enfrenta uma profunda mudança, uma revolução no que toca às conquistas da tecnologia e da multidirecionalidade da comunicação, da inclusão de novos atores com poder de mídia, da revisão de modelos de negócio em decadência e do aparecimento de novos modelos – como o da própria internet, o da comunicação sem fio e o que mais vier no rastro das transformações que exigem cada vez mais profissionais bem formados, críticos, eticamente capacitados e com perfeito domínio das ferramentas de trabalho.)
6. Se alguém tem vocação para o jornalismo, poderá exercer a profissão com competência se vier bem formado em qualquer área do saber – seja mais genérica seja mais específica. Um egresso de letras terá melhor domínio da linguagem que um formado em jornalismo; quem vem da economia terá melhor domínio da questão econômica que um formado em jornalismo; um engenheiro de produção terá mais condições de tratar da logística de uma edição, dos fatos que requerem conhecimento de matemática e de processos do que um formado em jornalismo; um advogado seguramente não confundirá mandado com mandato e não escreverá que juiz dá “parecer”…
7. Para os que defendem a necessidade de formação específica em jornalismo (edição, ética, tratamento dos fatos, técnica jornalística…), há a possibilidade cada vez mais próxima de que se possa adotar no Brasil uma espécie de curso de educação seqüencial no qual o egresso de qualquer curso universitário possa se especializar em jornalismo. Sem falar nos já existentes cursos de pós-graduação, tanto lato senso quanto stricto senso. As escolas podem desde já planejar cursos de jornalismo no nível da pós-graduação. Estes cursos deverão estar baseados no estudo da filosofia moral e das técnicas da profissão.
8. As técnicas da profissão também podem ser aprendidas nos cursos específicos providos por empresas de comunicação. Ou então aprendidas na prática – como sempre foi e era antes de o governo militar tornar obrigatório o diploma para o exercício da profissão e, com isso, ter incentivado a proliferação de inúmeras escolas de jornalismo que acabaram se enrolando num insuficiente bê-á-bá de introduções, na má formação de profissionais e na criação da uma vergonhosa indústria de diploma de jornalismo.
9. Quanto às boas escolas de jornalismo, não há o que temer. Elas se fortalecerão.
10. Em tempo: a obrigatoriedade do diploma é contestada desde o início dos anos 80. A Folha de S. Paulo, de certa forma, liderou este movimento. Vários de seus profissionais defenderam em público a não exigência do diploma. Há um artigo importante de Boris Casoy, então editor responsável da Folha, publicado em Veja. Eu era secretário de redação da Folha, escrevi artigo contra a obrigatoriedade publicado no próprio jornal e defendi a idéia em encontros com jornalistas em várias cidades do país.