O jornalismo em tempos modernos

Publicado no Diário do Nordeste, no Caderno 3, em 11/05/2009

Dellano Rios

Jornalista veterano, com passagem pelas redações do sudeste, na última década, à frente de empresas de comunicação on-line, Caio Túlio Costa acaba de lançar “Ética, jornalismo e nova mídia: uma moral provisória”. Resultado de sua tese de doutorado em Ciências da Comunicação (USP), o livro trata das tensões referentes a questões éticas, enfrentadas pelos jornalistas e enraizadas no conceito da profissão. Por telefone, Caio Túlio falou ao Caderno 3 sobre o trabalho, pautado em discussões da filosofia, das ciências sociais e das teorias da comunicação.

Dentre os estudos sobre o jornalismo, temos diversas obras sobre a questão da ética. Como você avalia esta produção anterior à sua? Por que escrever um livro sobre o tema?

Temos uma bibliografia bem robusta sobre ética. Você tem os livros de Eugênio Bucci (“Sobre ética e imprensa”), Francisco José Karam (“Jornalismo, ética e liberdade”), do professor Clovis de Barros Filho (“Ética na Comunicação”) e Niceto Blazquez (“Ética e Meios de Comunicação”), dentre outros. Há, ainda, uma bibliografia internacional, caso da obra do Philip Meyer (“Ética no Jornalismo”). Todos eles são livros que fazem uma abordagem fenomenológica da questão. São obras importantes e indicam perspectivas para os jornalistas, ao dizerem como o jornalismo deve ser praticado do ponto de vista ético. O meu livro, no entanto, não pretende ensinar como se faz o “jornalismo ético” – e este é um objetivo nobre, que os outros buscam. Meu objetivo, no entanto, é mostrar ao leitor como é que o jornalismo vem sendo praticado, dentro de uma perspectiva moral, desde que ganhou uma escala industrial.

Na sua bibliografia, vemos referências a autores que não costumam ser muito debatidos no Brasil. É o caso do alemão Karl Kraus (1874 – 1936) e da norte-americana Janet Malcolm. Comente este ponto de seu trabalho.

O que fiz foi buscar autores que ajudassem a alinhavar meu raciocínio, que faz paralelo entre as ambigüidades morais que encontra na literatura, na filosofia e na teoria crítica da comunicação e o jornalismo que a gente pratica. Os menos conhecidos, o Kraus e o Wittgenstein, ajudaram na questão da linguagem, que é nossa ferramenta. O que pode ser dito? Quando falar, quando se calar? São grades questões de Wittgenstein. Eu trouxe para ajudar uma pessoa que se preocupou com a língua. O Kraus eu conheço do português mesmo (“Ditos e desditos”]. Não é que estas obras não existam, mas elas precisam ser mais lidas. O livro da Janet Malcolm (“O jornalista e o assassino – Uma questão de ética”) foi publicado na Cia. das Letras e está esgotado desde 1991. O trabalho dela, eu trouxe para me ajudar na questão no fato do jornalista que se não sabe. “O jornalista e o assassino” é um livro muito forte, que toda pessoa que trabalha como comunicação deveria ler. Mostra com exemplos como a prática do jornalismo pode ser moralmente indefensável.

Você se referiu à linguagem, como a ferramenta da prática jornalística. Você acha que a linguagem é um ponto trabalhado de maneira satisfatória nas escolas de comunicação?

É difícil responder. Nas escolas que conheço, ele é muito bem trabalhado, quando dei aula na PUC era uma grande preocupação. Na Mackenzie, também. Não posso falar de cursos que não conheço. Mas o que mais me preocupa no curso como um todo é o desbalanceamento em favor da técnica. Acho isto negativo. O curso devia ser mais voltado para formar o jornalista no sentido das ciências humanas. Esta é uma opinião particular, mas centrada. Nos meus muitos anos de trabalho em redações, tenho visto que os estudantes chegam das escolas, com muitos problemas, tanto para escrever, o que se percebe facilmente, quanto para ler. Eles não estão aprendendo a ler. As escolas têm que trabalhar mais isso em geral.

O que justifica que esta “nova mídia” seja considerada uma categoria à parte?

Porque há uma diferença fundamental entre isso que chamamos de nova mídia e a mídia tradicional. A diferença é que hoje a tecnologia permite que a comunicação seja bidirecional – ou mesmo multidirecional. Antes, ela era unidirecional: o comunicador produzia a mensagem e enviava pro consumidor da notícia ou do entretenimento. A TV, o rádio, os jornais: todos procediam assim. Já as novas mídias permitem que as pessoas se relacionem. Elas dão a qualquer indivíduo, instituição, empresa, conglomerado os meios de produzir mensagens e de enviá-las para um público que pode fazer o mesmo que eles. Esta nova mídia foi proporcionada pelo meio de se estar em rede, seja via telefone, Internet ou qualquer outro que possa assumir este aspecto.

Como fica o jornalista diante destas vozes que respondem, diretamente, à sua?

Acho que esta realidade traz um novo desafio. As empresas jornalísticas estão tentando entender o que está acontecendo e experimentando o trabalho com ela (a nova mídia). Você vê os movimentos de grandes jornais, como o New York Times, nos Estados Unidos, que transformar sua divisão on-line em uma fonte respeitável e com a credibilidade do impresso. Os jornais vão ter que se reinventar a partir de uma perspectiva nova, que não seja aquela de, simplesmente, despejar informações. Eles vão ter que trabalhar na perspectiva de dividir as informações.

Das indústrias de comunicação, temos o caso das gravadoras que não conseguiram se achar, em meio aos downloads, aos iPods e outras novidades. Como você avalia o desempenho das empresas jornalísticas neste mesmo contexto?

Olha, eu diria que, hoje, a indústria fonográfica está menos perdida do que já esteve. Ela, que foi muito afetada, agora está se reinventando, através da venda na Internet, de outros mercados, ao passo que restringe a importância de seu antigo carro chefe, que era o CD. Ela viu que a realidade é inexorável. A mídia tradicional está se vendo neste momento e os jornais estão procurando se localizar. Você já vê algumas iniciativas no Brasil, caso da Globo, que tem cruzado o imprenso, a TV e o conteúdo de Internet; o exemplo da parceria entre a Folha de S. Paulo e o UOL.

Como o problema da ética da comunicação se coloca neste campo do “amador”, aquele comunicador não especializado, que tem acesso a um meio de expressão?

Essa é a grande mudança que está acontecendo. A nossa preocupação, como jornalistas, é que as pessoas comuns que vão pra Internet, fazer seus blogs e seus sites, tenham as mesmas preocupações que nós temos. Contudo, isso é um desejo nosso. Não é assim que a sociedade está se organizando. Uma das principais transformações disso é que ela se tornou uma sociedade mais “opiniática”. Isso é uma nova realidade. E a sociedade não está preocupada em mimetizar as regras morais do jornalismo. Não é algo que esteja em discussão na sociedade, como, aliás, nunca esteve. O jornalismo se erigiu segundo determinadas técnicas e em seu dia-a-dia. Nada garante que a sociedade queira transferir isso para que ela já faz.

Existe uma possibilidade de que se extinga a exigência da formação universitária para a prática, contra a qual as entidades da categoria se posicionam. Considerando a problemática ética, isto não deixaria o cenário da comunicação ainda mais instável?

São duas questões bem diferentes. Um diploma universitário é fundamental para exercer a profissão de jornalista. Se a pessoa não se formou em jornalismo, ela tem que ter outro curso, seja um mestrado ou um doutorado, que a forme. A discussão do diploma continua restrita ao diploma de jornalismo. Para mim, é preciso de uma formação para exercer a profissão, só não acredito que esta formação precise ser, especificamente, no curso de graduação. Acho que se a pessoa vem formada em alguma escola humanística, ou mesmo teológica ou técnica, ela tem todas as condições de exercer, desde que se especialize e tenha vocação.

FIQUE POR DENTRO

A obra, na teoria e na prática

Mineiro, da pequena Alfenas, Caio Túlio Costa migrou pelos suportes: começou, aos 21 anos, na Folha de S. Paulo (onde chegou ao posto de ombudsman); criou a Revista Folha, para a mesma empresa; e, já no final dos anos 90, centrou seus esforços na Internet. Ajudou a fundar o UOL e chegou à presidência do IG, braço de internet da Brasil Telecom. Experiências variadas que ecoam em seu novo livro, ´Ética, jornalismo e nova mídia´. O trabalho se destaca por uma revisão inventiva da bibliografia sobre ética e moral, empregada numa espécie de genealogia dos dilemas do jornalista. O autor se concentra nos problemas tendo em vista o tempo presente, no qual emerge o que ele chama de ´nova mídia´, categoria vaga que certamente será um dos pontos polêmicos da obra.

,
Compartilhar