Publicado na Folha de S. Paulo, caderno Ilustrada, em 28/03/2009, pág. E-4
OSCAR PILAGALLO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Caio Túlio Costa tem se dedicado, há pelo menos 20 anos, a pensar a ética no jornalismo. Primeiro ombudsman da Folha, de 1989 a 1991, relatou a experiência e recolheu observações sobre o tema em “O Relógio de Pascal”.
Agora, na condição de professor de ética, volta ao assunto com mais bagagem, em “Ética, Jornalismo e Nova Mídia – Uma Moral Provisória”, baseado em sua tese de doutorado. Se o primeiro livro privilegia a urgência, ao focar o noticiário do período, o mais recente prioriza a reflexão, ao abordar a ética a partir da história, filosofia, teatro e literatura. A opção esfria o texto, mantido à distância das polêmicas, sobretudo as deflagradas por blogs, mas joga luz nos argumentos.
Ao nos conduzir a longas visitas aos clássicos, o jornalista dribla digressões retornando em tempo ao objeto central de seu estudo. Sobre Sócrates, por exemplo, tenta compreender o tribunal que o condenou à morte. Nós nos apaixonamos pelo filósofo, diz o autor, até porque os relatos existentes são de discípulos seus, mas os acusadores, preocupados com a ameaça que ele representava à democracia ateniense, também tinham suas razões. Onde está verdade? Caio Túlio responde: na controvérsia.
A história construiu uma reputação, a do sábio vítima da insensibilidade de uma sociedade. Hoje, o jornalismo destrói tantas outras. São extremos que se tocam quando vistos sob o prisma da ética.
Ocultação x mentira
Caio Túlio não quis escrever um manual de conduta, o que o levou a fazer mais perguntas do que dar respostas. Em classe, constata a divisão dos alunos sobre o uso de câmeras ocultas para denunciar corrupção e nota que a aprovação da maioria diminui quando ele formula a mesma questão trocando “câmera oculta” por “mentira”, que no caso se equivalem. “O uso de um conceito moral muda o resultado”, diz. Os fins justificam os meios?
Se não fica clara a posição do professor -embora se intuam as ressalvas-, o que importa, de qualquer maneira, é mais o processo de refletir que a opinião formada. É nesse espaço fluido que se insere a ideia de moral provisória, um hiato de flexibilidade na rigidez da ética. Em outras passagens a análise inclui juízo de valor. O autor não hesita, por exemplo, em condenar a TV, em especial a Record, pela cobertura sensacionalista da ação do crime organizado que paralisou São Paulo por um dia em 2006.
Da mesma maneira, fustiga os crentes da objetividade jornalística e até seus críticos que, como a Folha, defendem apenas a objetividade “possível”. Para Caio Túlio, a objetividade tem existência normativa, não funcional. Mais para mito, portanto, do que para meta. O autor também ataca noção da ética do senso comum, ou do marceneiro, como dizia Cláudio Abramo (1923-1987) ao argumentar que só há uma ética, a do cidadão. Caio Túlio acha insuficiente, para o jornalista, a ética do dia a dia. As diferenças apontadas, no entanto, são mais de grau que de natureza.
O autor fica devendo uma resposta mais elaborada ao jornalista que foi um dos principais mentores de sua geração, mas nada tira o mérito do livro, que, às vésperas de ano eleitoral, é especialmente oportuno.
OSCAR PILAGALLO é jornalista e autor de “Folha Explica Roberto Carlos”, entre outros.