Nova mídia tem papel de detaque na cobertura de atentados terroristas
Gastou-se muito papel na velha mídia para explicar como o último 15 de maio se transformou no nosso 11 de setembro, o dia em que derrubaram as torres gêmeas em Nova York. “O mundo está pior que antes”, escreveu o filósofo sobre o nosso dia. “O Brasil vive hoje algo similar ao que a Alemanha viveu na República de Weimar. Os líderes conservadores, liberais, social-democratas, comunistas, agiam como loucos dançando à beira do abismo”, analisou o psicanalista. “Não sabemos de que coisas estamos falando”, espantou-se o cientista político. Enquanto polícia e bandido se matavam, abateu-se outra vítima, o celular, a arma que permitiu parar São Paulo. “Agora, sim, derrotamos o crime organizado”, reagiu com ironia o especialista em novas tecnologias, ao explicar com detalhes como as autoridades sabem que o bloqueio do celular nos presídios será facilmente burlado porque o vilão não é o aparelho, mas quem o usa como arma.
Também é possível analisar o acontecido a partir de nova perspectiva, aquela que o compara com 11 de março de 2004, quando quatro explosões em estações de trem mataram e feriram os cidadãos que iam ao trabalho em Madri, na Espanha. O celular, que lá foi usado também criminosamente para ativar as bombas, permitiu aos espanhóis, usarem-no de forma útil, principalmente via mensagens de textos, e informar uns aos outros que a velha mídia estava dando curso a uma informação falsa, advinda do governo conservador de José Maria Aznar: a de que o atentado fora de autoria do grupo separatista basco ETA. Falso. Ele foi realizado pelos mesmos autores do espetaculoso ataque a Nova York. Pelo celular, os espanhóis derrubaram a mentira e, em seguida, derrotaram o favorito Aznar nas eleições gerais, levando a Espanha a retirar suas tropas do Iraque.
Se a selvageria dos ataques nos aproxima de atentados de cunho político e religioso que estouram no hemisfério norte – embora aqui não haja militante xiita por trás deles, mas sim bandidos sem ideologia –, outro dado precisa ser levado em conta e carece de análise: o papel das novas mídias.
O paulistano atendeu a um toque de recolher, independentemente da palavra da autoridade, porque o chefe do Departamento de Investigações do Crime Organizado, o Deic, Godofredo Bittencourt, informou no início da tarde do dia 15 de maio que não havia nenhum toque de recolher. No entanto, às 20 horas as ruas estavam vazias.
A ordem veio repassada pelo amigo, irmão, mãe, cunhado, primo, colega, chefe… O comando veio pelo celular, pelo mensageiro instantâneo e, principalmente, pelo e-mail, o grande meio de comunicação. Fez o povo se precipitar pelas ruas sem ônibus e sem táxi. A pé, de carona, de carro, como desse. O enorme engarrafamento começou por volta das 15 horas para, milagrosamente, acabar na hora exata da ordem dada. A população fugiu para a casa, imaginando talvez que em casa estivesse a salvo.
Quem deu o toque de recolher? De onde veio a ordem? Qual a origem dessa novidade em São Paulo? (No Rio, o toque de recolher já virou rotina, está localizado nas favelas, nos bairros, mas nunca na cidade toda). Pouco se falou do toque de recolher em rádios e TVs naquela tarde. As autoridades, de fato, só ressurgiram, em bloco, depois das 19 horas. Apareceram para culpar a mídia, como fez o comandante-geral da Polícia Militar de São Paulo, Elizeu Éclair, desentendendo-se completamente em relação ao que, de fato, ocorrera. E entendendo muito menos o quão importante é a palavra da autoridade para toda essa mídia, que, naquele momento se soube, não tinha mais como atores principais a TV e o rádio.
Uma novidade paradoxal se incorporou definitivamente à nossa vida. Dois poderosos instrumentos da nova mídia foram usados para botar a população em fila de volta para casa: o celular e o computador. Eles não foram usados pelas autoridades porque ela ainda não os entende como mídia. Ainda há tempo de correr e pegar o bonde andando. Bonde?
Publicado no jornal Meio&Mensagem de 5 de junho de 2006, à pág. 9.