Sobre benção e maldições

O site You Tube, uma das maiores vitrines para os jornalistas-cidadãos

O site You Tube, uma das maiores vitrines para os jornalistas-cidadãos

Na era You Tube, pessoas comuns viram repórteres

Há uma mudança de paradigma no ar. Ou melhor, na rede. Emergiu o internauta repórter. Ou repórter-cidadão. Ou ainda jornalista-cidadão, o citizen journalist. Sua constituição provoca reações da velha mídia em medida complexa e ambígua, mas inferior à explosão da colaboração de “amadores” na rede mundial. Alguns sustentáculos da velha mídia reagem cooptando os amadores. Outros reagem criticando-os, naquela situação típica de jus esperneandi, o direito que todos têm de espernear, contestar, reclamar.

Reação pró: o tablóide alemão Bild paga de 500 até mil euros (ou seja, até R$ 2,8 mil) para os cidadãos fotógrafos que conseguirem emplacar suas fotos nas páginas do jornal. A inglesa BBC se rendeu, a americana CNN idem. Ambas vieram engordar o chamado “conteúdo colaborativo” que tem feito muita festa. Começou com a Wikipedia, ganhou audiência mundial com o MySpace, explodiu em vídeos com o YouTube.

Reação contra: parte da velha mídia esperneou. “Amadores entram na praia dos paparazzi”, manchetou em página inteira o New York Times. Irmanada, a mais cult das revistas da velha mídia, a New Yorker, estampou texto na mesma toada em sua edição de 14 de agosto: “A hora dos amadores”.

A New Yorker investe em palavras para mostrar quão “ridículas” podem ser essas notícias: “Imprimir seu próprio robô? Whoa!” As críticas partem de paráfrase de uma frase famosa de Andy Warhol segundo a qual “na web qualquer um será famoso entre quinze pessoas”. Sacramentam, com preconceito, que o conteúdo do jornalista cidadão soará familiar somente àqueles que gostam de boletins de igreja ou de jornais comunitários.

O fato: começa a incomodar o sucesso de sites colaborativos como do coreano Oh My News, ou do Backfence, americano, Minha Notícia (iG), Vc Repórter (Terra) e Eu Repórter (Globo.com), os três brasileiros, publicam notícias produzidas e enviadas por internautas.

Por mais que nós profissionais de comunicação gostemos ou detestemos do conteúdo colaborativo uma coisa é certa: há um salto quântico (ou seja, de maneira descontínua, diverso dos crescimentos geométricos, exponenciais) no horizonte.

Ninguém coloca em questão a credibilidade que a velha mídia conseguiu criar para si. Nem duvida ser mais fácil transferir credibilidade do veículo tradicional para seu site na web do que criá-la a partir do zero. Mas algo estratégico mudou: a velha mídia, e com ela os seus profissionais de comunicação, não são mais os atores principais no espetáculo de comunicação. Até pouco tempo dividiam orgulhosamente este papel principal com as fontes de informação. Agora apareceu mais um ator a roubar um pedaço dessa atenção: sua excelência o internauta. O público não precisa mais ser passivo. Ganhou ferramentas para lhe dar exposição local, nacional, até mundial.

Se parte da velha mídia ainda não deglutiu a novidade por inteiro, pessoas que mais entendem desse assunto, do ponto de vista conceitual, já o enfrentam. Uma voz poderosa vem no tom cadenciado de Jürgen Habermas, talvez o maior filósofo vivo. O caderno Mais! de 13 de agosto traz palestra dele onde mostra como os intelectuais estão perplexos e não dão conta do recado. Ele perguntou e respondeu algumas coisas que os comunicadores precisam escutar: “Será que na nossa sociedade midiática não ocorre uma nova mudança estrutural da esfera pública?”

Habermas explicou que a “reorientação da comunicação, da imprensa e do jornalismo escrito para a televisão e a internet conduziu a uma ampliação insuspeitada da esfera pública midiática e a uma condensação ímpar das redes de comunicação”.

Para Habermas, a esfera pública tornou-se mais includente. Troca-se mais informação do que em qualquer época. E os intelectuais? “Parecem morrer sufocados diante do transbordamento desse elemento vivificador, como se ele lhes fosse administrado em overdose”. Ele usa uma imagem boa: “A bênção parece transformar-se em maldição”. As razões para isso lhe parecem ser uma “informalização” da esfera pública e uma indiferenciação dos papéis correspondentes. As observações não valem somente para os intelectuais, valem para todos nós.

*Caio Túlio Costa é jornalista, diretor-presidente da Brasil Telecom Internet (iG, iBest, BrTurbo). E-mail: caiotulio@ig.com.br. Texto originalmente publicado no semanário Meio & Mensagem, edição de 28 de agosto de 2006, pág. 9

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