Em evento da Petrobrás, muita especulação sobre o futuro do Brasil
O novo é difícil de ser visto. Quando o vemos, ele já está velho. Somos todos prisioneiros do presente, me disse um amigo. E o presente está em declínio, está só – completou, misturando citações de Alvin Toffler com de Jorge Luis Borges.
A propósito dessa prisão, um grupo de mais de cinqüenta cientistas brasileiros – químicos, físicos, ambientalistas, biólogos, geólogos, sociólogos… – isolou-se, no final de novembro em um hotel perto de Amparo, no interior de São Paulo, para refletir sobre o futuro, sobre o que pode vir a ser novidade, sobre o que é possível antecipar.
Instigados pela Petrobrás, preocupada com sua própria sobrevivência ante a anunciada escassez dos combustíveis fósseis, os cientistas tinham por tarefa refletir sobre formas de como fugir da prisão do presente e projetar algum futuro baseado em uma visão multidisciplinar.
O think tank DNA Brasil foi chamado para fazer as provocações. O tema – “Ser convergente, o que é que isso ter a ver com a gente?” – usava a expressão “convergência”, decantada nas novas mídias, a fim de extrapolá-la. Ali se tratava da questão em sentido macro, da necessidade de fazer convergirem as múltiplas habilidades do homem com um objetivo comum.
Foram muitas horas de trabalho, e não necessariamente no sentido de entender a questão da substituição dos combustíveis. Num dos vôos, num exercício de visão futura, os participantes escarafuncharam idéias sobre como seria o percurso entre a casa e o trabalho cinqüenta anos à frente.
Chamou atenção a situação paradoxal desse nosso Brasil. Se muitos dos cientistas anteviram as maravilhas tecnológicas e as facilidades cada vez mais fantásticas da comunicação, outros conseguiram aliar as inovações a uma projeção bastante pessimista para o futuro, notadamente do ambiente social.
À situação que definia em definitivo para daqui a cinqüenta anos a comunicação na sua forma “pervasiva” (do adjetivo inglês “pervasive”, ou aquilo que está presente em tudo, difundido em todas as partes), os cientistas projetaram ainda a quase completa dissociação trabalho/casa, moradias iguais para todos, mais área verde por habitante e muito conforto individual, além de produtos cada vez mais individualizados, transporte coletivo sob demanda, tele presença, roupas climatizadas, implantes de chips sob a pele para comunicação e controle da saúde, pessoas mais inteligentes por conta da engenharia genética e energia à base do hidrogênio.
Houve também o vislumbre de uma situação profundamente desagradável, chamada de “dark”. Essa projeção visualizava o uso constante de máscara com filtros vivos graças ao “nano chip” (se você dividir um metro por bilhão vai chegar ao “nanômetro”, o bilionésimo do metro), de muita tecnologia misturada a uma realidade de rios mortos, excrementos e lixos praticamente intratáveis.
Numa descrição futurista, um dos cientistas previu um helicóptero de plasma tendo que enfrentar um defeito, um vazamento qualquer, por exemplo, e seu condutor sendo obrigado a chamar um táxi blindado. Ele estaria no Rio de Janeiro e a prefeitura havia muito tempo deixara de existir. Cada movimento na cidade significaria pagar um pedágio para as gangues que privatizaram os quarteirões – tudo obviamente submetido às regras da Agência Nacional do Crime Organizado, a ANCO, um órgão federal. Os táxis blindados e os helicópteros eram úteis porque furavam as barricadas dos pedágios.
Este tipo de visão é inevitável num país como o nosso e as dúvidas em relação à solução do problema da exclusão social, mesmo que futura, são grandes. Outras dúvidas surgiram, como, por exemplo, se daqui a cinqüenta anos o ser humano vai continuar com a mesma concepção de tempo que tem hoje. Perguntou-se também: “O homem não estará assombrado pela angústia?”
Pouco se sabe. Mas o que se sabe, mesmo, é que se o Brasil não se preocupar já com seu planejamento estratégico não terá como conduzir sua história – porque até aqui só nos especializamos em apagar incêndios. E alguns deles, na Amazônia por exemplo, sequer conseguimos apagar. Prisioneiros do presente não voam de forma alguma, sequer via imaginação. Desta vez, porém, era para voar, e os cientistas voaram.
Caio Túlio Costa, é jornalista, presidente do Internet Group, que reúne o iG, o iBest e o BrTurbo. E-mail: caiotulio@ig.com.br Este artigo foi publicado na revista Meio & Mensagem, edição de 18/12/06 à pág. 10.