Para inglês Andrew Keen, internet está matando cultura mundial
Há um livro fazendo sucesso entre o pessoal da velha mídia. The cult of the amateur (New York: Doubleday, 2007), ainda não traduzido no Brasil, foi escrito por um londrino que virou empreendedor da internet nos Estados Unidos, Andrew Keen – articulista de várias revistas de papel e criador do Audiocafe.com, portanto um expert em internet. O subtítulo alimenta polêmica: “Como a internet de hoje está matando nossa cultura”.
Logo na primeira página Keen conta seu encontro com alguém envolvido com um novo mecanismo de publicação de música combinando texto, áudio e vídeo simultaneamente: “É quando o MySpace se reúne ao YouTube, à Wikipedia e ao Google. Turbinado”, explicou o fulano.
Keen respondeu estar trabalhando numa polêmica sobre o impacto destrutivo da revolução digital (especialmente a web 2.0) na cultura, na economia e nos valores. E completou parafraseando: “É a ignorância reunida ao egoísmo, ao mau gosto e à lei da turba. Turbinado”.
O fulano reagiu com um sorriso constrangido: “Então é quando Huxley se reúne com a idade digital”. E ergueu a taça de Chardonnay californiano para um brinde: “Viva o Admirável Mundo Novo 2.0!”, numa alusão ao livro de Aldous Huxley publicado em 1932 no qual o autor projetava um futuro opulento e devasso, de abundância e de saciedade.
Keen começa suas reflexões considerando que o fulano se enganara de Huxley. Deveria ter-se referido a outro Huxley, de fato o avô de Aldous, o biólogo T.H. Huxley, autor do teorema infinito do macaco, o qual determina que se alguém providenciar infinitos macacos com infinitas máquinas de escrever verá então que algum macaco eventualmente poderá criar uma obra-prima – uma peça de Shakespeare, um diálogo platônico ou um tratado econômico de Adam Smith (talvez tenha vindo daí a idéia dos macacos blogueiros do Estadão…).
Depois de revelar este teorema, o autor reconhece que a velha mídia está “enfrentando a extinção”. No entanto, se isso realmente acontece, ele pergunta quem vai tomar o lugar da velha mídia. E responde com ironia: “Aparentemente vai ser o mais recente e mais quente mecanismo de busca do Vale do Silício ou um site de mídia social ou um portal de vídeo”. Neste caso, deveríamos dizer adeus aos experts culturais de hoje – aos repórteres, âncoras, editores, às companhias de música, aos estúdios de Hollywood. “São os macacos que estão dando o show hoje”.
O livreto contém 230 páginas repletas de ataques e de exemplos de tudo o que se convencionou chamar de web 2.0. É contra a Wikipedia (“a maior catedral do saber da internet”), que não é boa porque qualquer um pode reescrever seus verbetes a qualquer hora. Contra o You Tube, que não passaria de um portal de vídeos amadores. Contra os blogs, que podem ser veículos para propaganda velada e fraude. Enfim, é contra um mundo “aplainado e sem nenhum editor onde videomakers independentes, autores de podcasts e simples blogueiros podem postar suas criações amadorísticas à vontade sem ninguém pago para checar suas credenciais ou avaliar seus materiais”. Por isso, esta nova mídia estaria “vulnerável” aos conteúdos mentirosos de qualquer espécie.
Para Keen, a simples propriedade de um computador e de uma conexão com a internet não transforma ninguém em jornalista sério, assim como o acesso a uma cozinha não torna ninguém um cozinheiro sério. “Mas milhões de jornalistas amadores acham que isso acontece”. Ele cita estudo de junho de 2006 do Pew Internet and American Life Project segundo o qual 34% de 12 milhões de blogueiros dos EUA consideram seu trabalho online uma forma de jornalismo. “Isto eleva a milhões a quantidade de jornalistas inexperientes, destreinados, não pagos e desconhecidos vomitando (des)informação no cybermundo”.
Uma das boas reações, que por sinal veio da velha mídia, no The San Francisco Chronicle, dizia que “todo movimento bom necessita de um opositor e a web 2.0 tem Andrew Keen”. Movimento bom, dizia o respeitável matutino. Sim, bom. E os alertas de Keen servem não só como bússola para que os atores da web 2.0 possam se orientar melhor, mas também denotam o quanto essa nova mídia tem dificuldades em ser compreendida. É evidente que valores da velha mídia, como os que dignificam o ofício de jornalista, por exemplo, se preservam independentemente de qualquer novo fenômeno.
O que está mudando não é o jornalismo, mas sim a forma de comunicação. O que muda não é o jeito de fazer jornalismo, mas a importância que o jornalista tem na cadeia da comunicação. O velho e bom jornalista precisa se acostumar com a idéia de que despejar informação na cabeça das pessoas, como ele sempre fez, agora tem um concorrente na contramão. O consumidor também consegue produzir informação, alguma informação. A via agora é de mão dupla, tripla, infinita. E a possibilidade de qualquer um, qualquer pessoa, ter uma ferramenta de comunicação de massa é que é assombrosa. Tão assombrosa que provoca reações como essa, traduzida num belo esperneio capaz de nos fazer entender melhor o novíssimo bravo mundo.
*Caio Túlio Costa é jornalista, presidente do Internet Group, que reúne o iG, o iBest e o BrTurbo. Texto originalmente publicado no semanário Meio & Mensagem de 1º/10/2007, pág. 13.