Expressões mal compreendidas liberam a tristeza do erro
Uma das brincadeiras preferidas de alguns jornalistas é a de coligir expressões distorcidas e usadas inadequadamente.
São ditos mal compreendidos, frutos do ouvido distraído ou ignorância, repetidos de maneira que os tornam muito gozados, liberando a tristeza do erro. Frases que lembram as confusões que o corintiano Vicente Matheus costumava fazer, do tipo “quem sai na chuva é pra se queimar ou “me inclua fora disso.
A compilação das expressões que se seguem é fruto da observação de profissionais da palavra que se preocupam com a língua portuguesa sem perder o bom humor – riem com gosto a cada expressão garimpada.
Gente exigente como Ana Maria Leopoldo e Silva, Heloisa Helvecia, João de Barros, Maria Ester Martinho, Oswaldo Vitta (o Colibri), Renata Rangel e Sérgio Dávila.
Aí vão elas:
Advogar em casa própria – no lugar de advogar em causa própria.
Questão de forno íntimo – questão de foro íntimo.
O diabo aquático – diabo a quatro.
Nervos da cor da pele – nervos à flor da pele.
Vou me abastecer de dar opinião – vou me abster.
Isso não é da minha calçada – da minha alçada.
Conheço como a palma da minha mãe – da minha mão.
Ponho minha mãe no fogo – mão no fogo.
Ele é muito presuntuoso – presunçoso.
Bife de sete cabeças – bicho-de-sete-cabeças.
Franga decadência – franca decadência.
Sistema de esquecimento central – aquecimento central.
Garagem mediterrânea – garagem subterrânea.
Casas germinadas – geminadas.
Armário enrustido – embutido.
Olhoforte – holofote.
Terreno baldinho – baldio.
De jofre – de chofre.
Bagatela de argumentos – batelada de argumentos.
Joelho de Aquiles – calcanhar-de-aquiles.
Entre a cruz e a cadeirinha – entre a cruz e a caldeirinha.
Faca de dois legumes – faca de dois gumes.
Aviso breve – aviso prévio.
Luta por moradinha – moradia.
Depois da tempestade vem a ambulância – vem a bonança.
Assustar o cheque – sustar.
Adoçar o cheque – endossar.
Ganha uma boa renumeração – boa remuneração.
Pombo da discórdia – pomo da discórdia.
Se por aventura acontecer algo – se porventura.
Perdeu a loção do tempo – noção do tempo.
Distrair o dente do cisne – extrair o dente de siso.
Bife de figo – bife de fígado.
Sou meigo no assunto – leigo no assunto.
Matar dois coelhos com uma caixa d’água – de uma cajadada.
Tem uma paciência de jóquei – paciência de Jó.
Chupar o pau da barraca – chutar o pau da barraca.
Ilustração: “Tristeza do Rei” (1952), de Henri Matisse. Publicado na Revista da Folha em 23/07/95, pág. 30.
Ditos e reditos 2
Depois de todo o “murmurinho”, sai a segunda lista de expressões distorcidas
Teve grande repercussão texto publicado aqui em julho passado quando listei algumas expressões usadas no dia-a-dia pelo brasileiro, frutos do ouvido distraído ou mesmo da ignorância.
Refiro-me àquelas expressões engraçadas do tipo “agradeço à Antarctica pelas Brahmas que mandou” ou “parece que está garoando torrencialmente” que celebrizaram o corintiano Vicente Matheus – já citado aqui por ter-se tornado clássico nos exemplos deste tipo de distorção dos significados das palavras.
Pois recebi cartas de várias regiões do país com contribuições ao glossário dos ditos e reditos e, de quebra, levei puxão de orelhas de um leitor paulistano. Ele achou “ótimo” o posfácio dos ditos e reditos. “Porém irresponsável”. Sugeriu que eu lesse “A lógica do sentido”, do francês Gilles Deleuze, mas sem explicar onde estava a irresponsabilidade.
Pelo sim, pelo não, aí vão alguns complementos à lista inicial, entre o cipoal de expressões recebidas:
* Este sujeito tem um tíquete nervoso – no lugar de tique nervoso.
* Muita sede ao poste – ao pote.
* Pessoa muito cliteriosa – criteriosa.
* Tremendo murmurinho – burburinho.
* Tem mais sorte que juiz -juízo.
* Inimigos fidagais – figadais.
* Perdeu a desportiva – esportiva.
* Bateu o reco – recorde.
* Lodo engano – ledo engano.
* Trocar o fuzil – fusível.
* Colocar o estrepe – estepe.
* Do que a terra mais Garrincha – garrida (do “Hino Nacional”).
* Se o terror dessa igualdade – penhor (idem).
* Dos filhos deste solimões – deste solo és mãe (idem).
* Períneo urbano – perímetro urbano.
* Antena paranóica – antena parabólica.
* Mestre seler – best seller.
* Empetrepar – interpretar.
* Árvore ginecológica – árvore genealógica.
* Bode respiratório – expiatório.
* Depilar o figo – desopilar o fígado.
* Entalada no brejo – atolada.
* Extração na coluna – tração.
* Quem não deve não treme – teme.
* Bicho geométrico – geográfico.
* Passageiros em transe – trânsito.
* Chuva de granito – granizo.
* Faz mal ao algarismo – organismo.
* Nervo asiático – ciático.
* Cachorro sardento – sarnento.
* Apêndice sulfurado – supurado.
* Fulano não respira confiança – inspira.
* Avariar a promissória – avalizar.
* Perdeu o pênis – perdeu o pênalti.
* Estou em palcos de aranha – para papos-de-aranha ou palpos de aranha.
* Cuspida e escarrada – para esculpida e encarnada (quando alguém se parece muito com outra pessoa).
Também vieram exemplos de expressões redundantes, do tipo:
* Poder aquisitivo de compra.
* Neste ínterim de tempo.
* Morte fatal.
Ou então contraditórias – como sarau matutino – e inexplicáveis como faixa etária dos preços.
Contribuições recentes:
Não sou nenhum express no assunto – expert.
O quadro fere a ética da perede – estética.
Estou com o sistema nervoso.
Falta de cloro – para falta de quorum.
Ilustração: “Forças de orientação” (1974-77), instalação de Joseph Beuys. Publicado na Revista da Folha em 03/09/95, pág. 30.