Caio Túlio Costa relembra lições ensinadas por Octavio Frias
Dia 29 de maio de 2008 faz um mês da morte de Octavio Frias de Oliveira, “o homem mais inteligente que eu conheço”, como me disse várias vezes o jornalista Cláudio Abramo. Existem ainda mais episódios que você merece saber para aprender um pedacinho do muito que aprendi nos doze anos em que estive em contato direto com ele, um dos poucos visionários da velha mídia que abraçaram com gosto a nova mídia.
Quando aceitei a incumbência de criar a Revista da Folha, eu soube que deveria cuidar também da área industrial e, principalmente, da área comercial, além da redação. A revista teria de sobreviver apenas com a receita de publicidade. O “seu” Frias decidiu então me dar aulas semanais de venda toda sexta-feira, depois do almoço.
Na primeira aula ele pediu para eu contar como havia feito a venda de uma página de publicidade publicada na revista. Eu relatei as dificuldades que tivera na conversa com o anunciante para explicar que a revista seria boa mesmo impressa em papel jornal, coisa que o anunciante não gostava, achava feio, de baixa qualidade, incomparável com o papel de melhor qualidade comum às revistas. Falei de meu esforço em explicar o quanto era útil uma revista encartada em jornal e expliquei o quanto o anunciante estava enganado em relação ao modelo de revista que tinha em mente. “Seu” Frias escutou atentamente, me fez repetir alguns diálogos e concluiu:
“Você conseguiu vender. Das próximas vezes não será assim fácil porque se continuar querendo vender anúncio e ter razão ao mesmo tempo não dará certo. Da próxima vez, deixe a razão com o cliente e fique com o dinheiro. Com as duas coisas você não pode ficar…”
Na segunda aula, outra lição: nunca alongar o assunto da venda depois de consumada a transação:
“Fechou o pedido, tranque a pasta e vá embora. Não explique mais, não mostre vantagens que você por acaso se esqueceu de dizer. O risco de o comprador se arrepender enquanto você fala é muito grande. O melhor a fazer é mudar de assunto, ou ir embora”.
Na terceira, aprendi a planejar; na quarta, aprendi a ser direto; na quinta a ser pragmático… Fui aprendendo e continuei a aprender. O principal resultado estava ali, na forma de uma atenção única para um jornalista que começava a se transformar num executivo e se metia na área da publicidade sem a menor experiência no ramo.
E, por falar em jornalista, houve intermináveis momentos em que o “seu” Frias foi muito mais jornalista do que toda a redação somada. Quando fui secretário de redação da Folha, nos anos oitenta, tinha obrigação de “fechar” o jornal às 22h30 e quase nunca o conseguia. Na véspera da posse de Tancredo Neves na presidência da República, a redação conseguiu fechar o jornal às 22h32. Neste preciso instante, o do envio da última chamada de capa para as oficinas, “seu” Frias me ligou e deu-se o seguinte diálogo:
“Caio, já fechou?”
“Sim, fechamos com dois minutos de atraso”, respondi feliz, no aguardo de um belo elogio.
“Pois ligue para a oficina e mande segurar a rodagem. Não deixe imprimir nenhum exemplar. Não haverá posse. O Tancredo vai ser operado. Mude já a primeira página para não atrasar a edição”.
“Seu Frias, o senhor está em sua casa?”
“Claro que estou, mas trate de cuidar disso e…”
“Eu ligo para o senhor em seguida” – disse isso e desliguei. Pensei tratar-se de um trote do Boris Casoy, o editor-chefe do jornal e insuperável imitador de vozes. Liguei de volta para a casa do “seu” Frias e era ele mesmo na linha. Peguei os detalhes que a televisão e as rádios só iriam dar dali uns vinte minutos e que permitiram a mudança imediata da capa do jornal. O “seu” Frias conseguira a informação antes de todo mundo. Como conseguiu também a notícia de que o mesmo Tancredo tivera um tumor enquanto todos os jornalistas juravam por todos os médicos e deuses que era diverticulite. Teve a coragem de bancar a cobertura do caso Tancredo com informações absolutamente contrárias a toda mídia, porque tinha a melhor fonte.
E, ainda por falar em jornalista, ele teve também a enorme coragem em publicar, em 1987, o material de Janio de Freitas provando que os resultados da concorrência para a construção da ferrovia Norte-Sul, no governo Sarney, estavam previamente acertados entre as empreiteiras… Um executivo profissional talvez hesitasse nessa hora.
Muitas outras façanhas eu vi e não cabem mais aqui, como no dia em que levei a maior carraspana de toda a minha vida profissional – até agora. Se você quiser saber qual foi, dê uma olhada no capítulo sobre o caso Cabral no livro no qual conto a minha experiência como primeiro ombudsman da Folha. Foi a única vez que eu achei que a figura do ombudsman poderia acabar na Folha. Não acabou graças à firmeza do “seu” Frias e, cá entre nós, também por conta de um conselho que ele havia me dado fazia tempo: “Teima, mas não aposta”.
*Caio Túlio Costa é jornalista, presidente do Internet Group, que reúne o iG, o iBest e o BrTurbo. Publicado originalmente no semanário Meio & Mensagem, edição de 14/5/07, pág. 10.