A arte na nova mídia

No topo, o óleo de Velázquez; mais abaixo, cena do vídeo de Eve Sussman

No topo, o óleo de Velázquez; mais abaixo, cena do vídeo de Eve Sussman

Revolução tecnológica dialoga com cultura

Seria possível ainda um salto na história da arte?  Um salto da nova mídia? A pergunta é boa quando tantos mitos e tantas certezas são derrubados, quando se criam novas formas de interação e de participação das pessoas na construção cotidiana da comunicação.

Por que não uma revolução via arte eletrônica?

Desde que a tecnologia começou a mudar o cenário da mídia que se assiste a experimentos artísticos instrumentados por ela. Andy Warhol usou uma câmera portátil para documentar seu cotidiano nos anos 60. Quem não viu uma vídeo-instalação de Nam Jun Paik dos anos 70? Nos anos 90, a banalização da arte multimídia acompanhou a par e passo a banalização dos conteúdos na web. Alimentou-se do princípio globalizador e unificador. Explodiu em formas. Uma pesquisa sem profundidade na Wikipedia mostra a extensão de possibilidades: Audio Art, Cell Phone Art, Computer Art, Digital Art, Electronic Art, Finance Art, Generative Art, Hacktivism (será a arte dos hackers?), Interactive Art, Internet Art, Media Technology Art, Performance Art, Robotic Art, Software Art, Sound Art, Video Art ou Video Game Art.

No entanto, ao somar todas as formas sob as quais a arte digital se exibe, ou se conforma, alguém consegue dar um exemplo de algo tão significativo para a arte quanto, por exemplo, a Gioconda de Da Vinci, As Meninas de Velázquez ou a Montanha de Santa Vitória, de Cézanne?

Se as origens da arte da nova mídia remontam à invenção da fotografia, no século 19, e se esse tipo de manifestação artística levou mais de 150 anos para explodir em múltiplas configurações, e se o excesso de formas e fôrmas torna o seu desenvolvimento mais desafiador – nada disso elimina a possibilidade real do artista dar um salto do tamanho daquele que foi dado na história da arte por gente como Da Vinci, Velázquez ou o próprio Cézanne. Deixaram obras que valem por si, independente de significados, mitos, leituras e interpretações dadas pelos críticos: a beleza é indiscutível, qualquer pessoa frui a obra, ou a sua reprodução, com a intensidade e a reverência que só o belo consegue provocar.

Apesar da explosão das artes fruto das novas tecnologias e da “conversa” que elas costumam ter com as artes tradicionais (me refiro, por exemplo, à colagem da metade esquerda do rosto de Mona Lisa com a metade direita do rosto de Leonardo da Vinci realizada por Lilian Schwartz em 1987; ou o vídeo em alta definição “89 Seconds at Alcazar” no qual Eve Sussman movimenta os personagens de Velázquez no óleo As Meninas, de 2004) nada, absolutamente nada, conseguiu ainda superar algo que parte dos conteúdos na rede já superou: o da mera transposição para a web de conteúdos e formas cristalizados pelas velhas artes. Ou seja, é o mesmo desenho velho de guerra, a mesma forma de pintar, abstrata ou não, que se reproduz no monitor. Aposentaram-se os pincéis e a tinta tradicionais, usam-se os pincéis e as tintas virtuais. Quando muito, o desenho ou a fotografia ganham movimento, como no velho cinema. E a escultura, essa ganha três dimensões no monitor, coisa que ela já havia conquistado no holograma, ou seja, a sensação de profundidade, algo que ela, a escultura, possui em si. Ou então instalam-se monitores e telas num espaço museológico qualquer. A dita arte digital consiste em formas tradicionais repassadas aos monitores, em sons e/ou imagens inseridos ou justapostos aos suportes tradicionais.

Nenhum dos incensados artistas digitais conseguiu dar um salto no sentido de produzir arte com os elementos interativos e com todas as possibilidades da nova mídia, todas as que não reproduzem formas tradicionais de imagem e texto, sejam estáticas ou em movimento. Você, certamente, encontrará exemplos que me contradigam. Só aparentemente. Nenhum exemplo, até hoje, resiste à análise. Quero muito conferir.

Portanto eis aí uma boa pergunta para os artistas da pós-modernidade: dado que a nova mídia é pervasiva (palavra que vem do inglês pervasive, significa algo que está em todos os lugares), ainda é possível dar um salto na história da arte?

Caio Túlio Costa é jornalista, diretor presidente do Internet Group (iG + iBest + BrTurbo). E-mail: caiotulio@ig.com.br. Texto publicado na edição de 25/9/2006 do semanário Meio&Mensagem, pág. 9.

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