Os avanços da internet na política

PUBLICADO NO OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA EM 23/09/2009 – SOBRE PARTICIPAÇÃO DE CAIO TÚLIO COSTA NO OI NA TV

Por Lilia Diniz
 
A polêmica regulamentação do uso da internet na campanha eleitoral de 2010 foi o tema do Observatório da Imprensa exibido ao vivo na terça-feira (22/10) pela TVBrasil. Há uma semana, após intensos debates, os senadores fecharam um acordo e aprovaram a liberdade irrestrita do uso da rede durante a campanha. A nova lei – que é parte da reforma eleitoral e precisará ser sancionada até o dia 2 de outubro para ter validade nas próximas eleições – define que a manifestação de pensamento é livre, desde que o usuário se identifique. Se o candidato sentir-se ofendido pelo conteúdo publicado, poderá exigir direito de resposta. Outra mudança é que sites dos candidatos poderão permanecer no ar até no dia das eleições. E os debates na internet devem seguir as mesmas regras de rádios e tevês, o que provocou intensas reações.

O convidado do debate em São Paulo foi o jornalista Caio Túlio Costa. Primeiro ombudsman da imprensa brasileira, trabalhou na Folha de S.Paulo durante 21 anos. Foi um dos fundadores do UOL, do qual foi diretor geral até 2002. Ex-presidente do iG, atualmente é consultor da Oi e professor de Ética Jornalistica. Marcus Figueiredo foi o convidado no estúdio do Rio de Janeiro. Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), é diretor de pesquisas do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), onde coordena o Laboratório de Pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública (DOXA). O estúdio de Brasília recebeu Eduardo Azeredo, senador pelo PSDB-MG, um dos relatores da reforma eleitoral. Especialista em informática, foi presidente do Serpro.

A Mídia na Semana

Antes do debate ao vivo, na coluna “A mídia na Semana”, o jornalista Alberto Dines comentou fatos de destaque nos últimos dias. O primeiro tema da seção foi o aniversário de 20 anos da criação do cargo de ombudsman, considerado por Dines como um avanço e “uma barreira à arrogância dos jornalistas”. Em seguida, Dines destacou a estreia do documentário futurista “Era da Estupidez”, que mistura realidade e ficção e pretende alertar a população para o perigo das mudanças climáticas. O último assunto da coluna foi a revelação de que o piloto de Fórmula 1 Nelsinho Piquet bateu propositalmente com seu carro durante uma corrida para beneficiar um companheiro de equipe. “O picadeiro do circo corre o risco de transformar-se em mar de lama”, advertiu.

No editorial que precede o debate ao vivo, Dines avaliou que a aprovação da lei “revela que o bom senso afinal começa a prevalecer na esfera legislativa”. Para Dines, a versão anterior “tratava um meio de comunicação ultra-moderno com uma ótica antiga e retrógrada”. Dines elogiou que o fato de o Legislativo não ter se omitido – como nos casos da Lei de Imprensa e a da não-obrigatoriedade do diploma em Jornalismo para o exercício da profissão. “Quem faz as leis são os legisladores, aos magistrados cabe apenas analisar a sua aplicação”, distinguiu. O jornalista também frisou que a internet não é uma concessão pública, por isso, não pode ser comparada ao sistema de radiodifusão.

Livre por natureza

A reportagem exibida ainda antes do debate no estúdio entrevistou o ministro Carlos Ayres Britto, presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Para o juiz, a internet é um território livre por vocação e permite tanto a participação ativa dos internautas quanto a comunicação de idéias e programas de governo por parte dos políticos e dirigentes partidários. “É o reino da interação em tempo real”, classificou. O ministro explicou que é pertinente a que a discussão seja travada no Congresso Nacional. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) atua em um segundo momento, na fase da interpretação das leis já existentes e das analogias possíveis da internet como outras mídias. O fato de os debates entre candidatos promovidos na rede terem que obedecer às mesmas regras da radiodifusão foi criticado pelo ministro.

O jornalista Marcelo Tas analisou a tentativa de controle das campanhas eleitorais no mundo virtual. “A internet ser livre não é desvantagem para ninguém e não há outra opção porque ela é livre mesmo que a gente não queira. A internet não tem centro, não tem dono. Não tem como controlar o fluxo de informação”. Os excessos de liberdade que possam ocorrer na rede mundial de computadores são melhores do que qualquer tentativa de cerceamento de expressão porque é através da “fricção” de mentiras e boatos que os fatos são velozmente desmentidos na internet. “O principal medo dos políticos vêm do DNA deles e de nós mesmos, que nascemos no mundo analógico, que é o controle. Os políticos estão acostumados a serem donos de canais de televisão, o que é ilegal, e eles controlam a informação. Eles têm assessores, advogados que processam jornalistas e pensam que controlam a informação”, explicou.

O falso dilema

No debate ao vivo, Dines pediu ao senador Eduardo Azeredo para contar o histórico do projeto. O Senador explicou que a Lei já existia e tinha textos fixando regras para as emissoras de rádio, canais de televisão, a mídia impressa e a rede mundial de computadores. O TSE, ao fazer a regulamentação do que estava previsto igualando a rede virtual à radiodifusão, determinou que a internet só poderia ser usada por páginas pessoais dos próprios candidatos. “Essa foi é a situação hoje, antes da Lei. Você tem a internet apenas para sites de candidatos”, disse. A Câmara fez algumas alterações, como a que permite doações pela rede, e modificou o artigo que equipara à radiodifusão apenas “mudando um pouco o número de artigos e coisas assim”.

Quando o projeto chegou ao Senado foi discutido em comissões e audiências públicas, mas este assunto não foi levantado em nenhuma das 110 emendas propostas pelos senadores. Azeredo destacou que “isso veio lá de trás”. Constava na Lei atual, passou pela Câmara e, na ausência de emendas, foi mantida pelos senadores. O senador ressaltou que sempre defendeu a liberdade na rede mundial de computadores. “Era uma discussão sobre um falso dilema porque todos são a favor da liberdade na internet. Agora, o que eu estava desde o início insistindo, é que nós não podemos deixar a legislação sem uma menção específica, senão ia prevalecer a opção do TSE”, disse.

Quem deve ditar as regras?

Caio Túlio Costa vê com otimismo e apreensão o uso da web no pleito de 2010. Para o jornalista, é preciso não esquecer que o TSE vinha “legislando – o que não deve fazer – e definiu o uso da internet até a última eleição”. A nova lei tem pontos positivos e incongruências na opinião de Caio Túlio. O jornalista receia que, ao criar as normas para a próxima eleição, o TSE desfaça pontos positivos já conquistados e queira novamente restringir o uso da rede mundial de computadores. “O nosso Congresso sofre de uma fúria legisferante. Eles tendem a regular tudo e inclusive tendem a regular a internet”, criticou. Caio Túlio espera que o presidente Lula vete o artigo que compara a rede às concessões de radiodifusão e lançou um apelo para que a sociedade fique atenta ao que o TSE pode vir a fazer contra a esta Lei.

O cientista político Marcus Figueiredo está satisfeito com a aprovação da Lei, mesmo tendo ressalvas a alguns pontos, porque há muitos anos o Legislativo não vota uma mudança na lei que favoreça o eleitor. “Nas anteriores, sempre foram mudanças na lei eleitoral restringindo a circulação da informação”, disse. Para Figueiredo, o TSE tem a tradição de normatizar o resultado da legislação e neste momento pode, por analogias, fazer restrições. Há um problema delicado do ponto de vista político, na opinião de Figueiredo: por ser capaz de mobilizar grandes grupos de pessoas para o processo eleitoral, a rede de computadores tem maior capacidade de espalhar mentiras. E questionou como o TSE irá coibir a boataria e a repetição de inverdades na rede.

A polêmica do anonimato

Eduardo Azeredo garantiu que, apesar de complicado do ponto de vista operacional, é possível checar quem postou comentários indevidos na rede através dos números da carteira de identidade ou CPF do usuário. Caio Túlio Costa, que trabalha com a rede de computadores desde 1995, afirmou que nos dois grandes portais onde atuou, nunca houve a impossibilidade de verificar a origem de um crime cometido na rede de computadores. E destacou que os provedores e empresas de telecomunicações têm colaborado de forma eficiente com a Justiça para localizar a conexão que permitiu o crime. “O anonimato é uma questão constitucional, você não pode evitar. As pessoas podem estar anônimas na internet e escrever o que quiser”, disse. Cabe aos veículos e políticos a vigilância para não permitir comentários indevidos.

Os candidatos que se sentirem atingidos podem buscar reparação judicial. “A realidade que nós estamos vivendo é extremamente diferente da realidade de um meio de comunicação tradicional, broadcasting, que é comandado e administrado por poucos. Nós estamos em uma rede mundial, onde cada pessoa pode administrar o seu conteúdo”, disse. Marcus Figueiredo sugeriu que o TSE faça uma parceria com o site de buscas Google para captar na rede instantaneamente assuntos que podem ser do interesse da lisura da eleição e coibir abusos e fraudes.

Riscos vs. benefícios

Dines perguntou a Caio Túlio Costa se há algum risco no uso da internet na campanha eleitoral. “Eu não vejo nenhum perigo e as aberrações serão corrigidas na própria rede”, avaliou. A internet não será ainda “um estouro” nas próximas eleições porque são as primeiras que o Brasil vai enfrentar com a rede “razoavelmente livre”. Mas o jornalista acredita que ainda assim será “um aprendizado fantástico” porque a rede tem um grande fator de mobilização “extraordinário” que será benéfico para as pequenas candidaturas.

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Uma decisão acertada

Alberto Dines # editorial do programa Observatório da Imprensa na TV nº 521, no ar em 22/09/2009

O Congresso ultimamente não tem nos oferecido motivos de muita satisfação. Muito ao contrário. Mas a aprovação pelo Senado e, em seguida, pela Câmara do projeto de lei 141 de 2009 que trata da cobertura eleitoral pela internet revela que o bom senso, afinal, começa a prevalecer na esfera legislativa.

A satisfação é ainda maior quando se sabe que o projeto de lei que estava sendo elaborado no Senado era muito restritivo e o texto finalmente aprovado ainda contém cláusulas limitadoras, insensatas, mas, em linhas gerais, é liberal e contemporâneo. Este era o problema da versão anterior que tratava um meio de comunicação ultra-moderno com uma ótica antiga e retrógrada.

Outro dado positivo que merece ser registrado. Desta vez o Legislativo não se omitiu como aconteceu com a lei de imprensa e a questão da obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo, remetidas indevidamente ao Judiciário.

Quem faz as leis são os legisladores, aos magistrados cabe apenas analisar a sua aplicação. Em algum momento a Justiça eleitoral será convocada para analisar o decreto 141, mas a sua estrutura foi desenhada na casa apropriada com os procedimentos apropriados. Uma das falhas que permaneceram na lei precisará ser corrigida de alguma forma, talvez pelo veto presidencial: a web não é uma concessão pública, não pode ser comparada com o sistema de radiodifusão, seu funcionamento está mais próximo da imprensa do que da mídia eletrônica.

De qualquer forma já sabemos que a internet não ficará de fora nas próximas eleições.

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