Dines: “Estamos criando midiotas”

PUBLICADO NO OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA EM 27/6/2016, EDIÇÃO 909

Por Caio Túlio Costa

O congresso anual da associação que reúne os jornalistas investigativos do país, a Abraji, homenageou este ano Alberto Dines, o decano do jornalismo brasileiro. A Abraji fez questão de frisar que o prêmio de Contribuição ao Jornalismo veio pelos 20 anos do trabalho de Dines à frente deste Observatório, além dos seus 60 anos de carreira.

Norma Couri lê o texto de Alberto Dines na Abraji

Norma Couri lê o texto de Alberto Dines na Abraji

Na placa que distingue a homenagem, o pessoal da Abraji escreveu: “Quando o jornalismo se encanta em ser estilingue, o Observatório da Imprensa nos recorda que ele é – e sempre deve ser – também vidraça.”

Nosso Dines não pôde ir receber a homenagem, recupera-se de um problema de saúde em sua casa. Mas não deixou de enviar uma mensagem tecida com sua característica acidez e assertividade e que foi lida por Norma Couri, companheira de ofício e esposa.

“Todo Jornalismo é investigativo, ou não é Jornalismo. Donde se conclui que o que lemos, ouvimos e vemos todos os dias na imprensa não é Jornalismo”, definiu Dines.

Esclareceu também que o que sobra da mídia diária “é o que o olho do público vai buscar nas entrelinhas”, ao mesmo tempo em que se cria um “público dispersivo, apático, incapaz de reagir ou questionar”. Em decorrência produz-se “midiotas, negligentes e distraídos”.

No entanto, esta seria uma falsa questão que se corrige no dia a dia com inciativas como as propostas pela Abraji, e por aqueles “que escapam do engodo e sobrevivem às armadilhas das teorizações apressadas – os que permanecem lúcidos”.

Na sua peça oratória, assim como na vida, Dines se preocupa seriamente com o conteúdo do jornalismo e não deixou pedra sobre pedra. Como não deixou nenhuma pedra sobre pedra desde que lançou o Jornal dos Jornais, em 1975, o Jornal da Cesta, em 1977, e o próprio Observatório, em 1996 – agora carinhosamente reconhecido pelos seus pares.

Num texto breve, mas irrepreensível, Dines se desvela em sua grandeza crítica, em sua marca registrada que vem iluminando leitores no olhar sobre nossa mídia repleta de paradoxos e agora devastada por uma crise sistêmica que pode levar ao fim o jornalismo como o conhecemos – inclusive o investigativo. Perdão, porque para Dines, jornalismo investigativo é uma tautologia.

Mas, como prova disso, como atestado de que há uma luz no fim do túnel, o mesmo congresso homenageou também uma jornalista de enorme fôlego investigativo, Elvira Lobato, pelo conjunto de sua obra.

Ou seja, enquanto existirem jornalistas há esperança. E um destes exemplos é repórter Elvira Lobato, conhecida pelos 27 anos de trabalho persistente na Folha onde foi autora, entre inúmeras revelações duramente investigadas, da reportagem que ganhou o Prêmio Esso de 2007, “Universal chega aos 30 anos com império empresarial”, e que lhe rendeu mais de 100 processos da Igreja Universal do Reino de Deus. Não adiantou. Elvira ganhou todos os processos. E, assim como Dines, ganhou também o reconhecimento dos seus pares – “o melhor prêmio que alguém pode ter”, disse ela.

Eis o texto preparado por Dines e lido por Norma Curi:

Caros amigos, caras amigas:

As circunstâncias me impedem de receber pessoalmente esta homenagem , que muito me orgulha e a que agradeço de coração.

Sobretudo por vir de uma entidade que reúne a nata dos repórteres brasileiros.

Todo Jornalismo é investigativo, ou não é Jornalismo.

Donde se conclui que o que lemos, ouvimos e vemos todos os dias na imprensa não é Jornalismo.

Jornalismo hifenado, interpretativo, opinativo ou meta-qualquer-coisa, ou é um hífen ou uma cláusula limitativa.

Diante de uma premissa tão drástica, qualquer Jornalismo hifenado mais confunde do que esclarece. É uma falsa questão.

O que sobra da mídia diária é o que o olho do público vai buscar nas entrelinhas.

Só se criam caçadores da verdade com treinamento intensivo – com fórmulas – e dedicação -intensivas.

Mas o que estamos criando é um público dispersivo, apático, incapaz de reagir ou questionar.

Estamos produzindo midiotas, negligentes e distraídos – um público disperso.

Essa falsa questão é corrigida no dia a dia com iniciativas como as propostas pela ABRAJI, por aqueles que escapam do engodo e sobrevivem às armadilhas das teorizações apressadas – os que permanecem lúcidos.

Poucos.

Devem estar nesta plateia e seguramente estarão integrados à ABRAJI. Ainda bem..

Longa vida para a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo.

Muito obrigado.

Alberto Dines

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