Uma longa caminhada à procura da ética

Publicado no Valor Econômico, na seção Eu&Livros, em 16/04/2009 à pág. D8

Matías M. Molina | Foto de Davilym Dourado

Está aqui uma boa ajuda para se olhar por
trás das aparências e rever conseitos.
  
O autor parte do princípio de que a mudança nas comunicações que levou ao surgimento de uma nova mídia, a mídia digital, exige a rediscussão da ética no jornalismo. Como detecta um vácuo na formação do jornalista, “no que toca à ética e à moral na perspectiva da história do conhecimento”, ele se oferece a fornecer um “instrumental teórico” e explorar “um itinerário normativo”, para “se entender funcionalmente a profissão de jornalista”. E convida o leitor “a percorrer o caminho que funda o jornalismo e a comunicação”.

Em sua trajetória profissional Caio Túlio Costa esteve nos dois lados do balcão do setor de comunicação. Foi o primeiro “ombudsman” da “Folha de S. Paulo”, diretor-geral do Universo Online e presidente do Internet Group. Como professor de Ética na Faculdade Cásper Líbero, tem também um pé na Academia. É uma experiência que o credencia, como a poucos, para discutir as questões éticas apresentadas neste livro, cuja origem é a tese de doutorado defendida no ano passado.
 
O leitor que aceitar o convite de Costa para acompanhá-lo nessa caminhada deve preparar-se para uma jornada longa e árida. Vai enfrentar uma peregrinação ao longo de citações e conceitos abstratos de filosofia, a epistemologia, a lógica e a ética, durante a qual o autor exibe enorme erudição. Ele avisa que sua intenção não é dizer como o jornalismo deve ser praticado, mas analisar como é praticado.

Costa convida para uma jornada em que o leitor, já exausto com o peso do arcabouço téórico, pode ficar perplexo com o que lhe é dito na reta de chegada.

Costa convida para uma jornada em que o leitor, já exausto com o peso do arcabouço téórico, pode ficar perplexo com o que lhe é dito na reta de chegada.

Foram convocados, para discutir a ética no jornalismo, filósofos como Descartes, Spinoza, Sócrates, Epícuro, Montaigne, Kant, Wittgenstein, Adorno. Além de Velázquez, Sófocles, Maquiavel, Balzac, Shakespeare, Janet Malcolm, Karl Kraus, Max Weber. E também Marilena Chauí, Sérgio Paulo Rouanet e Mario Sergio Cortella. E dezenas de outros nomes.

Costa examina temas como a representação do quadro “Las Meninas”, de Velázquez, a mitificação do julgamento de Sócrates e a ambiguidade moral de muitas situações. Mostra como a realidade pode ser enganadora sob o véu das aparências. Ao tratar da objetividade, um assunto continuamente debatido pela imprensa, ele exibe argumentos de vários lados para concluir que não é possível ser objetivo, imparcial ou neutro. O que talvez seja correto. Mas para um jornalista, na vida real, deixando de lado os conceitos abstratos, ainda valem os princípios que o jornal “Le Monde” adotou ao ser fundado: “A objetividade não existe. Mas a honestidade, sim” e “A verdade, custe o custar. Sobretudo se custar”. Talvez não seja possível ao jornalista ser objetivo, mas vale a pena tentar ser isento.

O peregrino, que desde o início da viagem carrega um arcabouço teórico cada vez mais pesado e que nem sempre consegue relacionar com a teoria ou a prática do jornalismo, pode sentir a tentação de desistir no meio da jornada. No final deste recorrido em busca da ética, o andarilho, além de exausto, pode ficar perplexo na reta de chegada. Costa afirma que em nenhum momento a ética se distancia do fazer jornalístico. Mas um exemplo que coloca é controvertido. Escreve que foi questionado num programa televisivo a respeito do comentarista de economia que fazia propaganda de um banco e continuava emitindo análises sobre o sistema financeiro. Não respondeu diretamente, mas indiretamente justificou essa prática. Disse que nos “laptops” dos entrevistadores estava o logotipo do fabricante, que a emissora de TV acolhia publicidade no intervalo dos programas e que não há como fugir da realidade de que todo ou parte do salário dos jornalistas provém dos anúncios. Ele deixou de avaliar, porém, até que ponto esse jornalista estava em condições de, se fosse necessário, contrariar, em suas matérias, os interesses do banco que lhe pagava para falar bem dele nos anúncios. Ou se, ao aceitar fazer diretamente a publicidade, o jornalista não estava, de maneira implícita, passando um atestado de confiança a esse banco. Há, no mínimo, nessa atitude, uma ambiguidade ética difícil de explicar.

O livro contém algumas imprecisões. Afirma, por exemplo, que por ocasião do atentado em várias estações de trem de Madri, o telefone celular foi usado para avisar que a velha mídia veiculava a informação falsa, dada pelo primeiro-ministro espanhol, José María Aznar, de que o grupo separatista basco ETA era o autor das explosões. Pelo celular, diz Costa, os espanhóis derrubaram uma mentira, o que ajudou a derrotar o candidato favorito de Aznar nas eleições e forçou o governo a retirar as tropas espanholas do Iraque. Na verdade, o atentado se deu numa única estação de trem de Madri, a de Atocha. Os principais veículos a corrigir e difundir a falsidade da informação de Aznar, e aos quais se atribuiu na ocasião a vitória do partido socialista, faziam parte da “mídia velha”: a cadeia de rádio SER, a maior da Espanha, e “El País”, o jornal de maior circulação, que pertencem ao mesmo grupo empresarial. O papel do telefone celular foi importante, mas não decisivo. As tropas não foram retiradas do Iraque por Aznar, mas pelo governo socialista, cumprindo uma promessa da campanha eleitoral.

Enganos como esses são talvez inevitáveis, dada a quantidade de informação que o autor colocou no livro. A caminhada a que ele convida é longa e, com frequência, exaustiva. Mas pode ajudar a olhar por trás das aparências e a rever conceitos.

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