Razões negativas para escolher candidato

PUBLICADO NO UOL ELEIÇÕES EM 11/10/2002, ANTES DA ELEIÇÃO DE LULA.

Por que não votar no Lula

Parte dos brasileiros espera há anos para ver um governo petista na presidência, mas ainda não se discutiu de forma objetiva o seu significado. Para governar, o PT vai precisar de gente qualificada, com capacidade administrativa e liderança. A experiência é desnecessária porque, entre os defeitos a inexperiência é o menos pior, é daquele tipo de defeito que melhora com o passar do tempo.

Se eleito, o PT vai assumir uma administração complexa, algo nunca visto antes por seus quadros. Levará alguns meses para entender a máquina, fazê-la movimentar-se conforme seus planos. Os brasileiros darão um tempo, talvez cem dias, talvez mais, aquele paciente tempo de espera para deixar a nova administração arrumar a casa. Pois é por aí que a porca vai torcer o rabo.

O cenário internacional promete ser dos mais desalentadores. O governo Bush vai despejar bombas no Iraque e, com isso, alimentar o ódio de terroristas messiânicos; o espectro de Osama Bin Laden vai continuar pairando; a crise mundial se aprofunda; barreiras contra exportações dos países emergentes serão ampliadas; a especulação cambial pode se agravar; investidores perderão mais dinheiro. A lista vai longe.

No plano nacional haverá, de início, o agravamento dos problemas da dívida interna. Cada brasileiro já deve R$ 2,9 mil no plano interno, deve mais de R$ 4 mil no plano externo e deve R$ 6,9 mil na soma. Os mais recentes números mostram que a renda per capita está na casa dos R$ 6,9 mil. Ou seja, o brasileiro deve o que ganha. Sobra zero.

Há duas maneiras de resolver a dívida interna: via confisco das aplicações no estilo “curralito”, adotado na Argentina, ou via inflação. O PT poderá poupar poupanças pequenas, mas as classes médias, como sempre, vão pagar a conta. Se a tentativa for a de resolver via inflação, os mais prejudicados serão os mais pobres. Quem pôde já exportou seu dinheiro. No plano externo o calote pode ajudar de vez a brecar os investimentos.

Acrescente-se a esta lista a abulia do governo nas outras questões. Não conseguirá baixar juros senão corta os investimentos que sobraram no país. Não conseguirá arrecadar mais porque as medidas de aumento de impostos só começarão a valer a partir de 2004 por força constitucional. Verá se aprofundar a crise econômica.

Passados cem dias – se a maioria tiver paciência – começarão as pressões sociais e legítimas capitaneadas por instituições criadas e mantidas vivas há muitos anos com a ajuda do PT: Sem-Teto, Sem-Terra, Sindicalistas e ONGs em geral. Pressão por emprego, por moradia, por reforma agrária, por atendimento médico, por salário-desemprego, por escola, por creche, por obras sociais, pela diminuição de pedágios, pela desprivatização, pela diminuição de impostos, por atendimento adequado nas repartições públicas, por aumento de salário, por medidas que proíbam demissões… Nenhuma reivindicação poderá ser atendida na medida das expectativas.

O governo pouco poderá fazer. Primeiro porque não terá ainda a máquina azeitada. Nem sequer a conhecerá em profundidade para agir com a rapidez que os momentos de crise exigem. Segundo porque não é da natureza do PT agir sem discutir, sem abrir debate. E isto bloqueia qualquer iniciativa além de paralisar também as cidades por conta dos panelaços e manifestações.

Em pouco tempo teremos menos Lula e mais De la Lula – uma sociedade inoperante em decorrência do embate dos paradoxos – o empresariado sufocado pedindo menos juros, os bancos querendo mais juros, o capital externo retraído e o povo dentro de uma panela de pressão cozinhando em fogo alto.

Por que não votar no Serra

Se Lula apavora pelo excesso de democratismo, José Serra vai assombrar pelo continuísmo sem força de continuação – continuísmo de tudo o que puxa o Brasil para baixo. Puxa com os juros internos proibitivos que ajudaram a trazer o capital das multinacionais (para auxiliá-las a engolir mercados e montar cartéis), mas não conseguirão mais atrair o capital por conta também da crise internacional.

Puxa para baixo com a manutenção de uma realidade que alimenta os bancos e sufoca indústria e comércio com os mesmos juros altos e impostos impagáveis – ou alguém, em sã consciência, acha que um governo, qualquer um, vai abdicar da possibilidade de taxar e cobrar impostos? Puxa para baixo porque os desafios internos não serão muito diferentes daqueles descritos à esquerda: “curralito” ou inflação.

Outro dado que espanta em Serra é a centralização dada pela sua personalidade. Ele será de fato seu próprio ministro da Fazenda, do Planejamento, da Saúde, das Relações Exteriores, presidente do Banco Central. O centralismo acaba se automatizando em governos mais autoritários. Nas diferenças entre Serra e Fernando Henrique Cardoso fica a pergunta: Serra hesitará em intervir num Estado da Federação como hesitou e evitou FHC?

Já há quem compare o governo FHC com o governo de Juscelino Kubitschek. Dizem que no longo prazo ele será lembrado como o presidente que voltou a colocar o país nos trilhos por conta do fim da inflação. Conseguiu também onze milhões de desempregados, estancou o parque industrial e pouco incentivou investimentos nacionais em informática e genética, por exemplo, negócios do futuro.

O fato mais preocupante ligado à personalidade de Serra é a sua magistral capacidade de criar dissidências em torno de si, de separar em vez de unir. Veja os apoios condicionais que recebe. O partido tal vai apoiá-lo, mas vai manter a independência nos Estados que assim necessitarem. Grande parte da base governista, inclusive a fisiológica, abandonou-o publicamente, exemplos de Antônio Carlos Magalhães e família Sarney (o que pode ser um alívio, dirão muitos!).

Mesmo o presidente FHC, com o intuito de lançar para a história imagem de estadista, vem a público menos para sustentar seu candidato do que para afirmar platitudes tipo não ser fundamental ter diploma para governar. Quando dá o apoio a Serra o faz de forma burocrática, pouco convincente, os olhos não reforçam o que dizem os lábios.

Os brasileiros estão forçados a escolher entre um candidato de esquerda e um de centro-esquerda. Existem países que escolhem entre direita e esquerda, como a França, outros entre direita e direita, como os EUA – e os brasileiros já escolheram a direita (Collor) e a centro-esquerda (FHC). Agora teria chegado a vez da esquerda mesmo – ou o que for que isto venha a significar num mundo de significados tão detonados. Talvez a passagem por este gargalo, na imagem do ex-presidente José Sarney, pudesse ajudar a tornar o Brasil mais maduro.

Consta que Jayme Ovalle dividia todos os brasileiros em apenas três categorias: a dos profetas da catástrofe, a dos articuladores do caos e a dos simuladores de eficiência. Carlos Lacerda encarnaria os três, segundo Otto Lara Resende. Lula parece se encaixar no perfil do articulador do caos e Serra no de simulador de eficiência.

Ambos foram os que sobraram (e não estou afirmando que Ciro e Garotinho fossem a salvação, ao contrário) e demonstram poucas condições para superar a crise que se instalou – um pelo excesso de democratismo e o outro pela competência em criar atritos contra si mesmo. Um paralisado pela falta de solidão. O outro paralisado porque solitário.

Dívida interna
em agosto
de 2002

População do
Brasil conforme
Censo de 2000

Dívida
interna por
brasileiro

Em reais

R$ 494.000.000.000,00

169.799.170

R$ 2.909,32

Em dólares

US$ 163.451.675.875,99

US$ 962,62

Dívida externa
em maio
de 2002

População do
Brasil conforme
Censo de 2000

Dívida
externa
por brasileiro

Em reais

R$ 680.283.462.400,00

169.799.170

R$ 4.006,40

Em dólares

US$ 225.088.000.000,00

US$ 1.325,61

Dívida interna
mais a
dívida externa

População do
Brasil conforme
Censo de 2000

Interna +
Externa
por brasileiro

Em reais

R$ 1.174.283.462.400,00

169.799.170

R$ 6.915,72

Em dólares

US$ 388.539.675.875,99

US$ 2.288,23

Dólar calculado a R$ 3,0223 conforme fechamento de agosto de 2002

PIB do Brasil em 2001

População

Renda per capita

Em reais

R$ 1.185.000.000.000,00

169.799.170

R$ 6.978,83

Em dólares

US$ 505.000.000.000,00

US$ 2.974,10

Fonte: Relatórios do Banco Central do Brasil

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