Prefácio em forma de parábola

PUBLICADO NO LIVRO E-C@USOS – EDITORA MANOLE, 2008

Conheço o Índio Brasileiro, organizador destes casos, deste muito tempo. Ele era novinho (ele foi novinho!), recém-saído da universidade e já cuidando do marketing da Folha de S.Paulo.

Vi-o pela primeira vez quando trabalhava com o heróico Flávio Pestana, o homem que dava nó em pingo d´água e fazia milagres sem verba na direção do marketing do jornal que praticamente inventou o marketing de jornal no Brasil.

Índio era o braço direito do Pestana (o esquerdo era o Rui Miguel e o Leonardo Teshima era um dos olhos). Pois bem, o Índio formou-se naquela escola de fazer tudo muito bem, mas sem dinheiro.

Foi por isso, porque não havia dinheiro quando começamos a fazer o Universo Online (Jô Soares ainda não havia popularizado o nome UOL, coisa que ele o fez no seu antigo talk-show do SBT, lá em 1996) e o próprio Universo Online ainda se chamava Folha Online que resgatei o índio da Folha. Ele era bom nisso – fazer as coisas sem dinheiro. Com nada mais nada menos do que com zero de verba.

Um dos casos que eu gostava de contar e que era, de fato, uma parábola, uma historinha totalmente concebida por mim, mas com uma base muito sólida na realidade, era a Parábola do Canivete Suíço.

A coisa funcionava mais ou menos assim: Octavio Frias de Oliveira, o Seu Frias, nosso patrão, me chamava (ou chamava alguém) no nono andar do prédio empastilhado da Alameda Barão de Limeira, na sua sala mal iluminada, envolta em concreto frio e circular, e dizia:

– Caio, você está indo muito bem, cada dia melhor. Tão bem, que eu gostaria de te convidar para um enorme desafio. Coisa que só você pode tocar.
– Pois não, Seu Frias.
– É o seguinte. Eu quero que você abra uma auto-estrada ali no quinto andar. Mas olha, só você pode fazer isso, só você tem a têmpera e a firmeza para tocar uma obra dessas.
– Obrigado, Seu Frias.
– Mas eu quero uma auto-estrada de padrão de primeiro mundo!
– Claro!
– Oito faixas de rolamento em cada pista. Canteiro central com mais de vinte metros. Escoamento perfeito da água, tubulação com fibra ótica, declives e aclives leves, curvas suavíssimas, paisagismo sustentável, obras de arte elegantes, sinalização perfeita…
– Sim senhor. – Minha animação ia crescendo.
– Agora, é o seguinte. Você tem duas semanas para me dizer o que você precisa. Desça lá, examine cuidadosamente o ambiente, não economize. Sem economia, sem micharia. Volte aqui e me diga tudo o que você precisa.

Eu descia animadíssimo até o quinto andar e dava uma boa olhada na situação. Media a quantidade de morros e de pedras que havia, consultava alguém que já tinha feito auto-estrada, lia sobre o assunto, sondava um monte de gente para me ajudar a construir a melhor auto-estrada já vista no Brasil, coisa de primeiro mundo, estado da arte etc. e tal. Botava tudo no papel e voltava para a reunião, duas semanas depois.

O Seu Frias me recebia de braços abertos, absolutamente convicto da sua escolha:
– E aí, Caio, levantou tudo?
– Sim Seu Frias. Posso falar?
– Manda bala. Primeiro mundo. Olha lá…
– Bom, eu olhei bem o quinto andar e a situação é mesmo desafiadora. Há muito morro, pedras grandes… Bom, eu vou precisar de dez pessoas no mínimo, duas toneladas de dinamite, uma motoniveladora, cinco britadeiras e dois tratores de esteira.

Enquanto eu ia falando e desfiando a lista, o Seu Frias ia se levantado da cadeira, os seus olhos iam se abrindo e, quando eu acabava de falar, ele já estava de pé me olhando com expressão de total desencanto. E disparava:
– Mas desse jeito qualquer um faz! Qualquer um. Não preciso de você. Te chamei porque você é o Caio e não precisa de nada disso…
– Não entendi, Seu Frias, eu….
– É isso mesmo – ele me cortava:
– Com dinheiro qualquer um faz.

E então ele me mostrava o que havia separado especialmente para eu fazer a auto-estrada. Eu acabava saindo de sua sala depois de ganhar um canivete suíço – o me-lhor, olha bem o m-e-l-h-o-r canivete do mundo! Saía feliz com o canivete, pronto para abrir a auto-estrada. E abria.

Ela não tinha oito faixas de rolamento. Tinha duas faixas. Não possuía nenhuma obra de arte, mas funcionava. Passava algum tempo e o pessoal lá do nono andar olhava o quinto andar e via a estrada funcionando. Era o suficiente para empurrar outra pedra grande encima dela – e o canivete suíço voltava a funcionar.

Enfim, o caso não é um causo. É um exemplo da escola na qual nos formamos e da qual o Índio virou professor. Bom proveito a todos com os casos que ele arrebanhou.

Sem pagar ninguém, é claro.

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