O espírito do tempo

O logotipo do encontro Zeitgeist, promovido pelo Google em outubro

O logotipo do encontro Zeitgeist, promovido pelo Google em outubro

Encontro do Google discute o futuro da nova mídia

Como atacar a falta de entendimento sobre as profundas mudanças em curso? Como discutir o que vem por aí desde um ponto de vista que una a tecnologia com a política, o ambiente e a cultura? Simples. Misture experts de todas as áreas e peça a eles que falem e discutam com uma platéia composta de gente de várias partes do planeta. O Google faz isso todos os anos num encontro chamado Zeitgeist (o espírito do tempo, em alemão) e para o qual convida seus parceiros. O evento deste ano aconteceu no começo de outubro, em Mountain View, Califórnia, na sede onde se administra o caos criativo que é o Google, a mais valorizada das empresas da indústria on line.

A fórmula da operação é maquiavélica. O Google chamou um mestre de cerimônia advindo da mais tradicional das revistas liberais da velha mídia, a Atlantic Monthly, James Fallows, jornalista que lida com a interação da tecnologia com política, negócios e cultura. Seu mais recente livro se chama “Blind into Bagdad” (“Cego em Bagdá”, numa tradução livre). Fallows apresentava os convidados, resumia as falas e conduzia os debates. Colocar a velha mídia para explicar o mundo aos parceiros de elite da internet é dar-lhe respeito, submeter-se. Falows, por exemplo, mostrou-se preocupado com as conseqüências de se estar conectado e a responsabilidade social advinda disso. Fez o mix da gente da nova mídia com a da velha, criou cumplicidades e opôs novos profetas ambientais (como Al Gore, aterrorizado com o degelo da calota polar) a velhos profetas da guerra (como o general da reserva Colin Powell, que continua com a missão de polícia do mundo: “O exército americano é um construtor de nações”).

Durante um dia e meio, passou pelo púlpito do refeitório transformado em auditório (provido de e-chairs e telão, onde se liam todas as palavras pesquisadas no Google em tempo real) a mais eclética mistura de tecnólogos, presidentes de empresas da velha e da nova mídia, publicitários, marqueteiros, políticos, jovens empreendedores e pesquisadores além do futuro, como o cientista James Garvin, da NASA, um dos pais dos experimentos que podem levar o homem a Marte, ou, ainda, alguém preocupado com a distribuição da riqueza na terra, como Hans Rosling, do Instituto Karolinska, de Estocolmo, Suécia, que mostrou que a pobreza pode diminuir até 2015 – se a gente quiser.

As apresentações foram instrutivas, inclusive para mostrar o quão a velha mídia continua cega, mas feliz em falar à elite mundial da internet, sem se aperceber que continua agarrada às transposições automáticas de seus conteúdos para os computadores.

“Se você acha que eu sou velha mídia, tome cuidado porque estou trabalhando”, afirmou Leslie Moonves, presidente da CBS. Citou sites e blogs que não convenceram nem a ele mesmo, agarrado à defesa da transmissão do futebol americano pela televisão porque está com 70% das cotas vendidas por nada menos do que US$ 2,5 milhões para cada comercial de 30 segundos.

Contraposição ao vivo: “Esperamos investir três quartos do dinheiro em outras mídias que não a televisão”, previu Sir Marin Sorrell, da WPP, uma das maiores agências de publicidade do mundo.

Afinal, para não ficar só no computador, a humanidade compra mais aparelhos celulares do que produz filhos. Enquanto se vendem em todo o mundo 25 aparelhos celulares por segundo, no mesmo tempo nascem apenas quatro pessoas. “2 down, 5 to go”, era o título da apresentação do presidente da Motorola. Ou seja: dois bilhões de pessoas em todo o mundo já têm celular, falta aparelhar cinco bilhões porque o mundo tem sete bilhões de habitantes.

O dado politicamente incorreto: praticamente todos os apresentadores e debatedores norte-americanos se referiram às outras regiões da terra como “resto” do mundo. Não entendem, talvez nunca entendam que cada país ou região é “parte” do mundo. Para os americanos, a América é o centro e o resto é o restante, o que sobra. A linguagem sempre explica tudo, o consciente e o inconsciente, inclusive o espírito do tempo. No mês que vem tem mais flashes deste memorável encontro.

*Caio Túlio Costa é jornalista, presidente do Internet Group, que reúne o iG, o iBest e o BrTurbo. E-mail: caiotulio@ig.com.br. Texto publicado anteriormente na página 12 da edição de outubro do semanário Meio&Mensagem.

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