Na web, os desafios do ombudsman

Mario Vitor Santos, escolhidos para<br/> ser o primeiro ombudsman do iG

Mario Vitor Santos, escolhidos para ser o primeiro ombudsman do iG

Serviço funciona como atendimento ao consumidor

Adiantando-me às indagações, uso este espaço democrático e generoso para explicar as razões pelas quais um portal de internet pode ter um ombudsman, como acaba de acontecer com o iG. Como coube a mim implantar esta função na Folha de S. Paulo, em 1989, agora, à frente de uma operação de internet, é possível dar mais um impulso à história desse tipo de serviço, um sofisticado atendimento ao consumidor.

Não foi idéia minha. Logo que assumi a direção do iG, a equipe de jornalismo questionou quando teríamos um ombudsman. Escrevíamos um manual de jornalismo para o Último Segundo – inspirado por um manual redigido em conjunto com a redação do InvestNews – e a necessidade de um ombudsman parecia natural para a redação do portal. Logo mais pareceu lógico para o conselho de administração da empresa.

No processo de escolha do profissional mais adequado a essa função, conversei com pessoas que imaginávamos podiam se interessar pelo desafio. Três delas se dispuseram a enfrentar esse cargo que sempre acreditei capaz de atrair ingênuos – pessoas maravilhosas que se dispõem a enfrentar a ira das corporações por conta da nobre tarefa de defender os interesses do leitor (no jornal) e dos internautas, no caso do iG.

Na Folha, levamos alguns anos para colocar de pé essa idéia. Foram muitos os jornalistas que recusaram o cargo, talvez maliciosos demais para topar um papel inédito, o de advogar em favor do consumidor. Hoje está menos difícil encontrar quem tope a parada, talvez pela determinação com que a Folha tocou a empreitada.

No entanto, o que será um ombudsman de internet? Seguramente diferente do ombudsman de jornal. Em comum, terá a função da crítica da mídia, de atender os internautas com questões jornalísticas sobre o conteúdo consumido, atualizado segundo a segundo. Essa velocidade atrapalha a exatidão, abastarda a língua portuguesa, alimenta superficialidades e corre o risco da inconfiabilidade – para ficar em apenas quatro dos desafios cruciais que o jornalismo online precisa vencer.

Além disso, o ombudsman de internet terá de vencer os problemas do serviço – aqueles que a central de atendimento, com quase mil atendentes, não consegue dar conta. Centrais que levam assinantes ao desespero por causa da linha ocupada, dos pagamentos cobrados de forma errônea, dos problemas normais decorrentes da tecnologia e até causados pela insolúvel passagem pela digitação de números e mais números recitados gelidamente pela URA, a Unidade de Resposta Audível usada pelos “call centers”, antes que alguém consiga encontrar a voz humana do outro lado.

O maior desafio, seguramente, está no entendimento e na formatação deste novo ombudsman. No caso da mídia, para falar pouco, há uma confusão generalizada quando se fala na necessidade de uma ética para a nova mídia. Em geral, confunde-se nova mídia com velha mídia por conta de hábitos seculares. Não que o fazer jornalístico seja diferente na nova mídia, mas a emergência de um batalhão de novos atores (multiplicados pelos blogs, pelas comunidades, pelo jornalismo cidadão), leva a uma desinformação a respeito dessa nova forma de comunicação interativa e participativa. Ela envolve notícias imediatas e amadoras, comentários muitas vezes superficiais, inoportunos, recheados de erros e enganos, envolve, às vezes, graves deturpações da realidade verossímil.

Confunde-se, por exemplo, televisão real (a “reality TV”, inaugurada nos EUA pela FOX ao mostrar momentos dramáticos do trabalho da polícia) com o falar o que se quer e quando se quer; confunde-se erotismo com pornografia e com pedofilia (como se fossem a mesma coisa); confundem-se as questões étnicas trazidas pelo maneirismo do politicamente correto com blogs e diários de internautas sem a menor preocupação ética; considera-se que os protagonistas do life-style (gastronomia, moda, decoração), por atuarem numa mídia soft, estariam sujeitos a uma ética igualmente soft; enfim, confundem-se infomerciais com informações editoriais.

Com a emergência de novas mídias, as novas e diferenciadas relações entre editorial e anunciante acabam esgarçando ainda mais as estreitas relações e interações entre ética e moral. Um individualismo descosido de razões universais reforça o vale-tudo, o salve-se quem puder.

Cabe ao novo ombudsman da internet, por meio de seu blog, aprofundar essas questões, defender a liberdade do internauta, o direito ao serviço e à informação de qualidade. Depois de muito conversar com pessoas capazes, porque o cargo hoje atrai profissionais ultracapacitados, o iG convidou o jornalista e professor de jornalismo Mario Vitor Santos, três vezes ombudsman da Folha e até então diretor da Casa do Saber, para exercitar esta tarefa. Vamos ver no que vai dar.

*Caio Túlio Costa é jornalista, presidente do iG, que reúne os serviços iG, iBest e BrTurbo. O texto foi publicado originalmente na edição de 18/6/07 do Meio & Mensagem, na pág. 8.

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