A tarefa da terceira geração é a de superar o superpai

Sobre a morte de Roberto Marinho, ocorrida em 6 de agosto de 2003. Publicado no Valor Econômico de 08/08/2003.

Foi-se mais um RM dos três RMs que dominaram a mídia: Robert Maxwell, Roberto Marinho e Rupert Murdoch. Houve um tempo em que, para mandar nas comunicações, era necessário ter R e M nas iniciais.

Com a morte de Roberto Marinho sobra o último RM, Rupert Murdoch, considerado maior do que o Cidadão Kane – e Murdoch, ainda por cima, é sócio da holding de Roberto Marinho no negócio de televisão por satélite no Brasil. O outro RM, Robert Maxwell, morreu num episódio esquisito em 1991, quando caiu de seu barco no Mediterrâneo. Pode ter sido suicídio. Estava quebrado.

Como os outros dois, Roberto Marinho construiu um conglomerado de empresas de comunicação com a diferença de que o fez num país pobre, no chamado terceiro mundo, e depois as fez crescer num país em desenvolvimento, com um mercado radicalmente pequeno se comparado aos mercados europeu e norte-americano dos seus colegas de iniciais.

Se Robert Maxwell, nascido Jan Ludwik Hoch, em 1923, na então Tchecoslováquia, cidadão inglês a partir da Segunda Guerra, perdeu controle de empresas e depois teve de readquiri-Ias por muito mais dinheiro – sempre emprestado, como aconteceu com a Editora Pergamon – Roberto Marinho comprou bem as suas. Pagou pelo que viria a ser a Rádio Globo (hoje parte do Sistema Globo de Rádio) muito pouco, “quase nada”, como se gabava.

Se o império de Robert Maxwell se deteriorou sob suas próprias mãos, o de Roberto Marinho só fez crescer. Seus descendentes estão aí para mostrar se superam os desafios que o momento coloca, agora apresentando dificuldades inimagináveis. Mas o fato é que o jovem Roberto Marinho herdou, aos 20 anos, um jornal recém-comprado por seu pai – Irineu Marinho inaugurou O Globo três semanas antes de morrer – e dali em diante só fez expandir o negócio.

As críticas ao jornalista e ao empresário Roberto Marinho são todas bastante conhecidas; umas corretas, outras exageradas. Mas um fato a história da mídia no Brasil jamais poderá ocultar: mais do que ter construído um conglomerado, foi sob sua égide que o Brasil pôde ter sua produção televisiva exportada e consumida em outros países, produção que também unificou o Brasil – para o bem e para o mal – por meio da rede nacional de retransrnissão de sinais montada por ele e ainda ter ganho importância continental – pelo tamanho de seu faturamento e pela natureza de seu negócio.

Muito se tem falado do fato de a mídia brasileira ser comandada por poucas famílias: Abravanel (SBT), Civita (Abril), Frias (Folha), Marinho (Globo), Saad (Bandeirantes) e Sirotsky (Zero Hora). E que esta era familiar estaria passando – usa-se como exemplo as crises envolvendo as famílias Mesquita (O Estado), Levy (Gazeta Mercantil), Nascimento Brito (Jornal do Brasil) e a derrocada das organizações Bloch (Manchete).

A crise pela qual passa a indústria da mídia nacional e a mudança na lei que permitiu a participação de pessoas jurídicas e de empresas estrangeiras no capital das empresas de comunicação podem ajudar a mudar radicalmente esse panorama, mas a presença de um empresário de personalidade marcante à frente de um grupo de comunicação sempre foi mais benéfica do que maléfica. O jornal The New York Times – este agora envolto em crise ética – teria publicado os papéis do Pentágono em 1971 se fosse comandado apenas por executivos e não tivesse à sua frente Arthur Ochs Sulzberger? A Folha teria denunciado fraude dos maiores empreiteiros do país no caso da ferrovia Norte-Sul, em 1987, se não tivesse no seu comando Octavio Frias de Oliveira?

Então, pode ser muito positiva a participação do chefe da família à frente de uma empresa de comunicação. O proprietário costuma assumir riscos que um executivo profissional jamais assumiria. Ou levaria dias fazendo contas, ouvindo prós e contras, ponderando, atitude às vezes danosa frente à velocidade necessária para algumas decisões numa indústria de mídia.

Roberto Marinho é o melhor exemplo de empreendedor arrojado num país cujo arquétipo de empresário de mídia, até então, era o forte personalismo de Assis Chateaubriand, o centralizador pai dos Diários Associados, incapaz de criar uma instituição que pudesse manter seu império intacto depois de sua morte.

Morto Roberto Marinho, cabe ressaltar a que de bom ele deixou. As ações empresariais que se ligam à sua carreira são muito claras: verticalização, integração, exportação e modernização.

Verticalização é a primeira delas. Poucas empresários de mídia, em toda a mundo, conseguiram diversificar tanto dentro de seu própria meio. Ele criou jamais, emissoras de radio, canais e emissoras de televisão, editora de livros, revistas, gravadora, empresa de canais a cabo, televisão via satélite e empresa de Internet.

Integração é a segunda palavra. Queiramos ou não, a Rede Globo integrou o país em frente à telinha da televisão a partir das anos 70, impulsionada pelo milagre econômico cujo ápice se deu em 1973. Falta aparelho de tevê em quantos domicílios brasileiros? E quantos não têm saneamento básico? Pode faltar o banheiro, a tevê jamais.

A integração nacional veio com uma marca que resiste ao tempo, malgrado ela mesma: o Padrão Globo de Qualidade (com o dedo de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni – referência de uma geração e exemplo de outra coisa que Roberto Marinha sabia fazer bem: escolher seus funcionários e aglutinar equipes). Foi este padrão que permitiu ao conglomerado exportar sua produção novelística. Chega-se assim à terceira palavra: exportação.

Em 1987, por exemplo, eu pude ver Lucélia Santas na televisão polonesa, em Varsóvia, no horário nobre. A novela era reproduzida com as falas em português. Os diálogos das diferentes personagens eram traduzidas para a polonês e lidos por um único locutor. A Polônia parou para ver Lucélia. A Itália idem, mesma que não tenha sido no prime time. Idem em muitos países, como na Ásia, haja vista a enorme sucesso da Lucélia Santas na China Continental.

Com exceção dos Estadas Unidos, que outro país consegue exportar, de forma constante e com sucesso, soap operas como o Brasil? Pode-se criticar à vontade as novelas da Globo, mas não se pode negar. que elas criaram um modelo – nacional e internacional – de produção televisiva, um jeito brasileiro de contar histórias, e com eficácia. Qual outra empresa de mídia brasileira conseguiu este feito?

Modernização é a última palavra. Ela está na paginação do jornal O Globo, na impressão do mesmo nas rotativas full color, na criação de um sistema nacional de rádio, nos equipamentos que fizeram da Globo a líder na retransmissão de sinais em todo o país, na implantação do Projac (os famosos estúdios da Globo no Rio de Janeiro), na criação, mesmo que tardia, de um portal de Internet com todo o conteúdo das empresas.

O padrão de qualidade está presente no jornal, na rádio, na televisão, no portal. Nasceu, ganhou corpo e se institucionalizou sob a tutela de Roberto Marinho. Se o proprietário não tem a vontade empresarial, a determinação de embicar suas companhias no caminho que Roberto Marinho deu às suas, nenhum executivo iria conseguir fazê-Io sozinho.

A crise e a dívida das organizações Globo de hoje têm razões sólidas. Em meados dos anos 90 Roberto Marinho acreditou no que prometiam os bancos de investimento e instituições governamentais: o Brasil iria ter por volta de dez milhões de assinantes de televisão paga no começo do ano 2.000. Faça a conta: multiplique o preço de uma assinatura mensal de pay tv, de R$ 70, por dez milhões de assinantes e depois multiplique por doze meses. Quem, em sã consciência, queria ficar de fora de um mercado cujo potencial de faturamento era de R$ 8,4 bilhões, naquela época exatos US$ 8,4 bilhões? Investimentos pesados foram feitos para passar os cabos nas cidades, mas o mercado de pay tv estagnou na base dos três milhões de assinantes e, além disso, a crise na publicidade se instalou. Só recentemente a Net, por exemplo, conseguiu o seu primeiro resultado positivo, mas esta é outra história.

Reza a lenda que Roberto Marinho costumava começar suas determinações dizendo: “Se eu morrer…” Não usava o “quando”. Pois se foi. A tarefa da terceira geração dos Marinho, agora, é a de superar o superpai. Enorme desafio.

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