T.S. Eliot, o mago metafísico

A árdua tarefa de vencer um texto difícil

T.S. Eliot – Poemas (1910-1930), tradução de Idelma Ribeiro de Lima. São Paulo: Hucitec, 1980.  Publicado na revista Veja de 26/11/1980 à pág. 101

Caio Túlio Costa

Uma tradução de Eliot será sempre um acontecimento retumbante. E esta, se peca pela falta de estardalhaço, com certeza não perde em qualidade. Afinal, foram vários anos de fascínio, dúvidas e luta cotidiana gastos na doce, porém árdua tarefa de conquistar um texto dito difícil, recriando as palavras desse mago metafísico. O texto, bilíngüe, agrupa poemas de fases distintas na produção do poeta. A década de 1920 é o marco da conversão de Eliot ao anglicanismo, ao mesmo tempo que toma posição monarquista na política e classicista na literatura.

Esta tradução vem bem calçada – apresenta-a Cassiano Ricardo, que garante a assinatura do poeta em seus maiores momentos. Como se sabe, um tradutor nunca conseguirá dizer o que disse um poeta e apenas o que ele quis dizer. Mas não s epode falar que Idelma Ribeiro de Lima se saiu mal. O livro traz desde os primeiros poemas importantes de Eliot “Prufrock o Outras Observações”, coligidos e publicados em 1917, até os “Poemas de Ariel”, escritos entre 1927 e 1930.

Entre esses desponta a recriação de “The Waste Land”, que para Idelma seria “A Terra Gasta” e já foi “A Terra Inútil” para Paulo Mendes Campos, e “A Terra Desolada” para Thiago de Mello. Como poema, “The Waste Land” é decisivo, considerado uma obra-prima em que Eliot conjuga momentos de um lirismo desmedido com outros extremamente singulares, ocasião para a crítica afirmar o rejuvenescimento da língua inglesa do pastiche em que estaria mergulhada até então. Ezra Pound, a pedido de Eliot, reviu e cortou drasticamente o poema. Idelma dá-lhe a pompa e o prosaico necessários.

O logo poema que marca a conversão de Eliot ao cristianismo anglicano, “Quarta-feira de cinzas”, traz também refinamentos no texto português. Já em “Os Homens Ocos”, Idelma não mantém o mesmo ritmo e torna ansiosa a espera da tradução que promete Ivan Junqueira para o próximo ano. Ainda mais depois que Marlon Brando, em “Apocalipse Now” popularizou alguns versos de “The Hollow Men” cantando: “Somos os homens ocos / os homens empalhados / uns nos outros amparados / o elmo cheio de palha / Ai de nós!”

Música de idéias

Poesia, de T.S. Eliot. Tradução de Ivan Junqueira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981. Publicado na revista Veja de 27/05/1981 à pág. 114.

Caio Túlio Costa

Foi preciso esperar dezesseis anos, desde a morte de Thomas Stearns Eliot (1888-1965) para que aparecesse no Brasil uma coletânea significativa de seus poemas. Vivo, talvez reagisse repetindo, pausada e compassadamente, que a falta da poesia é uma doença e que ela não deixa de ser “uma constante lembrança de todas as coisas que só podem ditas em uma língua, e que são intraduzíveis”. Este é o maior desafio que vários poetas e tradutores brasileiros ousaram enfrentar: recriar Eliot em português. Com resultados discrepantes já o tentaram Paulo Mendes Campos, Idelma Ribeiro de Lima (que traduziu e publicou por conta própria poemas produzidos por Elíot entre 1910 e 1930) e Vinícius de Moraes.

OS POEMAS – O próprio Ivan Junqueira – agora apresentando estas “Poesias” (coligidas entre a produção de 1902 a 1962) – já havia incursionado nos meandros ardilosos do texto deste arrebatador monarquista, com a tradução, na década retrasada, dos “Quatro Quartetos”. Parou por algum tempo e em 1977 retomou um “trabalho quase enlouquecedor”, disposto a apreender toda essa música de idéias.

Ivan Jungueira apresenta 29 poemas. Estão aqui, entre outros, a estréia de Eliot, “A Canção de Amor de J. AIfred Prufrock”; o fundamental “A Terra Desolada”, considerado a expressão máxima da falência e do vazio espiritual do homem moderno, além de um profundo retrato da geração egressa da 1ª. Guerra Mundial, o desconcertante “Os Homens Ocos”, súmula da falta de ortodoxia de Eliot em relação aos mistérios da fé:

“Assim expira o mundo

Não com uma explosão, mas com um suspiro.”

Não faltou também o consagrado “Quarta-feira de Cinzas”, marco da conversão do poeta ao anglícanismo; e também os definitivos e belíssimo “Quatro Quartetos”, supremo momento de toda poética eliotiana quando busca o sentido d ávida:

“O tempo presente e o tempo passado

Estão ambos talvez presentes no tempo futuro

E o tempo futuro contido no tempo passado.”

A edição peca por não ser bilíngue, isto porque, informa o tradutor, a Faber-Faber o proibiu em contrato, alegando uma provável redução nas vendas dos originais de Eliot em inglês no Brasil.

ÁRDUA TAREFA – Se para Eliot a poesia deveria ser um veículo do sentimento e teria como uma das suas funções óbvias dar prazer, comunicar o novo e apurar a sensibilidade, Ivan Junqueira cumpriu primorosamente a árdua tarefa que o diferencia (ainda como queria Eliot) do poeta excêntrico – ou louco – e lhe garante o status de poeta genuíno, pois só este consegue partilhar sensações únicas fazendo com que outros as utilizem.

Tudo que Eliot quis dizer, desde sua insistência em afirmar a solidão e o desconcerto humanos e a denúncia da ruína espiritual do homem ocidental – como explica Junqueira no estudo introdutório do livro – está nesta tradução de maneira cristalina, prosaica, vigorosa, ardente e lírica. Tradução que sacramenta o devoto Eliot em português.

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